A abordagem católica para a relação entre fé e razão

Uma leve batida na porta dos fundos da minha casa fez-me indagar quem estaria chamando a uma hora tão estranha. Era um dia de semana, por volta do meio-dia, e o bairro rural onde residíamos permanecia calmo devido à ausência de crianças e adultos, que provavelmente estavam na escola ou no trabalho. A excêntrica vizinha idosa, Ruby, que tinha uma casa atrás da nossa, cumprimentou-me e entregou-me alguns legumes que tinha colhido naquela manhã. Aceitei com gratidão.

Sarah, nossa filha, era um bebê na época, e Ruby perguntou-me como ela estava passando. Expliquei-lhe que Sarah seria submetida a uma cirurgia muito invasiva e arriscada chamada Reconstrução da Abóbada Craniana, a qual implicava abrir o seu crânio prematuramente fundido e inserir um dispositivo que funcionaria para alargá-lo mecanicamente e, assim, dar espaço para o seu cérebro crescer.

A testa de Ruby franziu-se. “Você não precisa de médicos para nada. As doenças vêm do demônio! Os meus dentes são maus, mas sei que Deus me vai dar dentes novos algum dia”.

Então respirei fundo. Eu sabia que ela tinha feito parte de uma seita já extinta na região, mas não havia notado a teologia errada que ainda deturpava a sua visão do mundo. Comecei devagar: “Ruby, Deus nos deu médicos, e também a fé. Eles não se excluem mutuamente. A Sarah precisa dessa cirurgia, senão morrerá”.

Uma das bênçãos da nossa fé católica é o fato de compreendermos que a ciência pode inspirar e aprofundar a fé, enquanto a fé pode informar a boa ciência. Essa sinergia se encontra na forma como o intelecto influencia a vontade, no modo como o conhecimento que adquirimos – quando utilizado para o bem – leva-nos a agir corretamente. Damos o nome de integridade ao momento em que a vontade e o intelecto estão em harmonia.

O Catecismo da Igreja Católica ensina que: 

muito embora a fé esteja acima da razão, nunca pode haver verdadeiro desacordo entre ambas: o mesmo Deus, que revela os mistérios e comunica a fé, também acendeu no espírito humano a luz da razão. E Deus não pode negar-Se a Si próprio, nem a verdade pode jamais contradizer a verdade”. (159)

Depois do julgamento de Galileu Galilei, muitos começaram a desconfiar da forma como a Igreja lidava com a ciência, concebendo que o catolicismo considerava que a fé em Deus – e a sua teologia – sobrepunha-se ao que a razão podia apresentar como prova da verdade temporal. Na realidade, a Igreja sempre ensinou que a ligação entre a fé e a razão é evidente desde o início da criação, e que Deus, criador de ambas, revela-se através delas.

Henri de Lubac, um padre, filósofo, teólogo e escritor francês, refletiu profundamente sobre a relação entre fé e razão. As suas palavras do seu clássico espiritual, Paradoxos da Fé, ecoam e expõem as que se encontram no Catecismo:

A nossa fé de hoje é a mesma, os fundamentos são os mesmos; ela foi acesa na mesma Lareira, o mesmo Espírito continua a infundi-la em nossos corações – e é sempre a mesma Igreja; ela muitas vezes nos desilude e nos irrita, e às vezes ficamos impacientes e desanimados por causa de todos os elementos que nela se relacionam com a nossa própria miséria, mas ao mesmo tempo ela prossegue com sua missão insubstituível entre nós, não cessando de nos dar Jesus Cristo nem mesmo por um dia… (p. 235)

Talvez a mentira que circula entre os cristãos tenha surgido da notável corrupção e do erro humano que se encontram na história da Igreja. Aquilo que Lubac defende, no entanto, é que o Espírito Santo atua apesar da inevitabilidade do pecado que se manifesta na hierarquia da Igreja – e em todos nós. Deste modo, reconhecemos que a fé está acima da razão, mas apenas no sentido em que Deus se eleva acima dos nossos erros e erros graves, das nossas fraquezas, limitações e feridas que infligimos aos outros. Voltamos ao fato de que “nada é impossível a Deus” (cf. Lc 1, 37).

Eu e meu marido, Ben, discutimos, há alguns anos, como o nosso conhecimento da ciência aumentou, de fato, a nossa fé em Deus, porque à medida que aprendíamos as complexidades, as simetrias e os sistemas encontrados na matemática e nas equações, sabíamos que só poderiam ter sido criados por um Ser superior e inteligente, não limitado pelo pensamento humano ou pelo tempo.

Os maiores cientistas são aqueles que humildemente contribuíram para os avanços científicos por reconhecerem que os seus dons e conhecimentos vinham de Deus. Da mesma forma, muitos teólogos ao longo da história foram também grandes cientistas: Copérnico, Roger Bacon, Alberto Magno, Galileu, Mendel, Hildegard de Bingen.

Ben e eu somos eternamente gratos pelos homens e pelas mulheres que cuidaram da nossa filha Sarah. A ternura com que lidam com suas necessidades médicas complexas e em constante evolução é, para nós, um reflexo da fé e da evidência de um Deus que se preocupa com todos os pormenores das nossas vidas. Vimos, em primeira mão, a beleza de muitos cirurgiões que, através da sua inteligência e perícia – mas também através da sua bondade e humildade – deram à nossa filha uma oportunidade de prosperar neste mundo moderno.

A cada um de nós é feito um convite semelhante, seja qual for a missão que Deus nos confiou: que utilizemos o que sabemos, da melhor forma possível, para informar o que fazemos – e que façamos tudo bem. Não temos de fazer em nossa vida grandes coisas, nem mesmo coisas dignas de nota, mas apenas ser fiéis a Deus que nos reveste com o conhecimento de que necessitamos para realizar, com amor e através da fé, o trabalho que só nós podemos fazer.

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Autor: Jeannie Ewing

Jeannie é autora de livros de espiritualidade católica e palestrante internacional, participando frequentemente de programas de TV, rádios e podcasts sobre o tema.

Fonte: Catholic Exchange

Traduzido por Tiago Veronesi Giacone – Membro da Rede de Missão Campus Fidei, servindo no Núcleo de Comunicação e Formação, além de atualmente participante da coordenação do Grupo de Estudo YOUFAMILY em Brasília – DF.

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