Um amigo meu, autor e apresentador de um talk-show católico no rádio, uma vez notou que, no famoso livro de C. S. Lewis, chamado Cristianismo puro e simples, havia um esforço ecumênico para encontrar elementos que todos os cristãos possuíam em comum, mas foram omitidas as coisas “inegociáveis” do Cristianismo, uma doutrina central e crucial de duas dentre as três maiores divisões do Cristianismo.
O grande apologista anglicano não incluiu uma doutrina a respeito da Igreja enquanto uma autoridade vinculante na vida cristã, o que é uma crença fortemente assentada tanto por católicos quanto por ortodoxos, mas formalmente negada pelos protestantes, os quais atestam que apenas a Escritura é uma autoridade infalível (o que é conhecido como sola Scriptura, “somente a Escritura”).
Enquanto católico convertido, cuja maior objeção ao catolicismo, até então, era a noção de infalibilidade da Igreja ou do Papa, eu compreendia esse ponto de vista, mas agora eu o rejeito completamente. Como uma introdução ao assunto, eu gostaria de ressaltar três passagens bíblicas que ensinam a respeito de uma visão bastante forte da autoridade da Igreja de Cristo, ou Igreja Católica.
Mt 16, 18-19: “E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus”.
Essa é também uma passagem-chave na defesa do papado, mas esse é um outro assunto. Aqui desejo pontuar que existe na Bíblia a menção à “Igreja”, e que esta foi estabelecida pelo próprio Jesus Cristo como Sua Igreja. Certa vez, um comediante fez uma piada sobre o fato de haver “apenas uma Igreja”. Ele falou a verdade.
Foi dado a São Pedro e aos outros apóstolos (de quem os bispos e padres são sucessores) o poder de ligar e desligar: termos judaicos rabínicos para penitência (ligar) e perdão estendidos a uma representação de Deus (desligar). Essas decisões correspondiam aos decretos ou ao desejo do próprio Céu (isto é, de Deus). Assim, esse poder indica uma forte concepção da autoridade da Igreja.
O terceiro elemento notável nessa passagem é o conceito de as “portas do inferno” não serem capazes de prevalecer contra a Igreja. Isso significa que a Igreja (não apenas os indivíduos cristãos, mas a entidade coletiva) sempre surgirá vitoriosa em suas batalhas espirituais. Também traz à mente a grande imagem de a Igreja derrotar as portas do próprio inferno e vencer o mal e Satanás.
At 16, 4: “Nas cidades pelas quais passavam, ensinavam que observassem as decisões que haviam sido tomadas pelos apóstolos e anciãos em Jerusalém”.
Esse versículo é frequentemente negligenciado em discussões a respeito da autoridade no Cristianismo. São Paulo simplesmente não distribuiu Bíblias, nem pregou o Evangelho apenas em suas viagens de evangelização. Ele também proclamou uma decisão da Igreja que gozasse de autoridade, oriunda do Concílio de Jerusalém, o que está descrito em At 15, 1-30.
O que aconteceu ali não foi “somente a Bíblia” ou cristãos individualmente considerados e o Espírito Santo, independentemente de outros cristãos, mas, muito claramente, uma veemente autoridade da Igreja. Os “apóstolos e os anciãos” (At 15, 6), representando “toda a Igreja” (At 15, 22) se reuniram, assim como os bispos se reuniram em nosso tempo no Concílio Vaticano II (1962 – 1965).
A principal questão com a qual eles lidaram era se os cristãos oriundos dos povos gentios deveriam ser circuncidados e observar toda a lei judaica. A Igreja em seu Concílio decidiu que isso não era necessário com os participantes confiantemente proclamando que “isso pareceu por bem ao Espírito Santo e a nós”. O Espírito Santo conduziu todo o processo (confira Jo 16, 13).
São Paulo, então, saiu e proclamou o que o concílio (incluindo ele mesmo) havia decidido a ser observado como um decreto vinculante. Se não há autoridade na Igreja, é difícil imaginar como seria. Se Deus aprovou as decisões da Igreja nos primeiros séculos, por que não aprovaria agora? Por que deixaria de funcionar dessa forma? Não faz sentido argumentar que tudo isso passou e que fomos deixados para que cuidemos de nós mesmos como meros indivíduos.
1Tm 3, 15: “Saibas como deves portar-te na casa de Deus, que é a Igreja de Deus vivo, coluna e sustentáculo da verdade”.
Verdade é verdade. Não pode ter erro, pela sua própria definição. Como pode a fundação da verdade ou a coluna e sustentáculo da verdade ser algo menos que uma completa verdade (uma vez que a verdade em si mesma não contém falsidades, mentiras ou erros)? Não pode. É impossível por uma simples questão de lógica e observação. Um riacho não pode elevar-se acima de sua fonte.
O que está construído sobre uma fundação não pode ser maior que a fundação. Se for, então toda a estrutura colapsa. Se um elefante ficar nos ombros de um homem como se fosse sua fundação, essa fundação irá desmoronar. A base de um arranha-céu tem de sustentar o peso todo dele. Não pode ser mais fraca do que o que está construído acima dela. As fundações de uma ponte suspensa sobre um rio tem de ser fortes o suficiente para sustentar aquela ponte. Elas não podem ser mais fracas que a ponte, ou a estrutura iria colapsar.
Nesse sentido, devemos concluir que, se a Igreja é a fundação da verdade, a Igreja deve ser infalível, já que a verdade é infalível, e a fundação não pode ser menor ou mais fraca do que aquilo que ela sustenta. A verdade não pode ser alicerçada em nenhum grau de erro, porque isso tornaria a fundação mais fraca que a superestrutura acima dela.
Dessa forma, dadas as passagens bíblicas citadas acima e muitas outras, os três pilares da fé católica podem ser definidos da seguinte forma:
Na visão bíblica (e historicamente católica) inspirada, a Bíblia infalível é interpretada por uma Igreja infalível e divinamente guiada, a qual, por sua vez, infalivelmente interpreta e formula a verdadeira tradição doutrinal (apostólica).
Por que acolhemos as decisões da Igreja Católica
O que devemos ter em mente é que a fé é um dom de Deus, da Sua graça. A própria fé para se crer que Deus não só criou um meio para salvação, mas também providenciou uma Igreja com autoridade, por meio da qual Ele encaminha aquela salvação e provê a condução de todas as coisas, é um dom. Não provém de nossos esforços racionais. A razão pode nos levar até às portas, mas não pode provar que as portas e o que está por detrás delas são o que são, ou nos obrigar a caminhar através deles e adentrar.
O que a razão, os fatos e as evidências podem fazer é confirmar, cada vez mais, que a Igreja Católica está correta. Quando isso acontece tantas vezes, torna-se mais fácil (com o peso acumulado de tantas evidências) aceitar, pela fé, que ela está sempre certa quando afirma algo dogmaticamente ou infalivelmente. Devemos aceitar que existem coisas as quais nós não podemos entender, e que devem ser criadas por causa daquilo que nós de fato entendemos. Ninguém é capaz de compreender cada pequena minúcia. E ninguém tem tempo suficiente para isso.
É uma questão de concordar com a revelação bíblica, conforme a qual há sim uma Igreja que goza de autoridade, erigida por Deus (e iniciada a partir do encargo de Jesus a São Pedro em Mateus 16) e capaz de julgar (mais uma vez guiada pela graça e pelo Espírito Santo, Auxiliador) se os clamores católicos são viáveis e plausíveis.
Minha principal dificuldade era com a noção de infalibilidade, então eu busquei compreender essa objeção em seus aspectos interiores e exteriores. Eu continuei estudando e conversando com amigos católicos e vi que nenhuma das alternativas que eu possuía eram plausíveis, então parei com aquilo.
Tornei-me mais e mais seguro a respeito dessa verdade durante meus quase vinte e quatro anos de defesa dela. Quanto mais eu aprendo, mais minha fé se fortalece (nunca se enfraquece), e essa é uma das alegrias da apologética.
_____________
Autor: Dave Armstrong
É um apologista católico que proclama o cristianismo há mais de vinte anos. Antes de entrar na Igreja Católica em 1991, era protestante. Escreveu muitos livros sobre o catolicismo, bem como artigos para jornais católicos. Ele e sua esposa Judy, têm quatro filhos e vivem em Detroit, Michigan.
Fonte: Catholic Exchange
Traduzido por Tiago Veronesi Giacone – Membro da Rede de Missão Campus Fidei, servindo no Núcleo de Comunicação e Formação, além de atualmente coordenador do Grupo de Estudo YOUFAMILY em Brasília – DF.