A Lenda de Aang e o amor

O desenho Avatar: a lenda de Aang é mundialmente conhecido e esteve presente na infância de muitas pessoas. Você já deve ter visto por aí o rosto do menininho com uma seta azul na cabeça, certo? Há um tempo decidimos assistir esse desenho por completo e, ao chegarmos no final da terceira e última temporada, o episódio “Os mestres da dominação do fogo” nos chamou muita atenção. Motivados pelas palavras de São Paulo, “Discerni tudo e ficai com o que é bom” (I Ts 5, 21), vimos que é possível fazer um paralelo entre o que acontece nesse episódio e alguns ensinamentos da Igreja Católica acerca do amor.

No desenho, o mundo é dividido em quatro grandes nações: ar, água, terra e fogo. Alguns nativos de cada nação controlam, exclusivamente, o elemento próprio de sua nação. Existe, porém, uma pessoa, chamada de Avatar, que é capaz de controlar os 4 elementos ao mesmo tempo e sua função é levar paz e equilíbrio ao mundo, se necessário for.

Acompanhamos a saga do avatar Aang, um rapaz nascido na nação do ar, tentando aprender a controlar os outros 3 elementos para poder derrotar o Senhor do Fogo – tirano imperador da nação do fogo, que está em guerra declarada contra o resto do mundo, dominando a todos com o poder destrutivo de seu elemento. Enquanto isso, o príncipe banido da nação do fogo, Zuko, recebeu a incumbência de caçar e prender o avatar, para ser aceito de novo por seu pai (esse banimento é uma causa de grande dor e ódio no coração dele).

Em determinado momento das temporadas iniciais do desenho, o avatar está tendo aulas de como aprender a dominar o fogo. Ao desobedecer a seu mestre, Aang tenta criar uma chama muito maior do que deveria, o fogo se espalha e queima sua amiga Katara, por quem ele nutre um amor. 

Assim como o Cântico dos Cânticos nos diz que “Cruel como o abismo é a paixão; suas chamas são chamas de fogo, uma faísca de Iahweh!” (Ct 8, 6), imaginamos o fogo de Aang como o amor Eros, ou seja, o amor do desejo e da paixão, de saída de si mesmo. Ao dar vazão às suas paixões de forma desordenada e desobedecer àquele que melhor podia ajudá-lo a aprender a lidar com o seu dom, Aang perde o controle e, tendo sua chama virado algo destrutivo e predatório, fere a menina que amava. 

Para Aang, o resultado desse momento foi devastador. Ele não quis mais aprender a dominar o fogo por um bom tempo e entendeu que este elemento seria sempre algo ruim, que traria destruição e sofrimento. Infelizmente, muitas vezes isso acontece conosco. Ao ignorar a importância de bem orientar os nossos instintos, paixões e dons, machucamos os outros, nós mesmos e Deus. E, quando isso acontece, achamos que simplesmente a vida é assim. Pensamos que sempre seremos machucados, sempre iremos machucar o próximo e que nunca vamos melhorar em nada.

No caso de Zuko, sua vida o conduziu para outra realidade, ainda pior que a de Aang. Durante toda a série, ele age como alguém que não quer aprender a controlar o seu dom para gerar o bem. Ele está tão machucado e com tanta raiva que, a cada nova pessoa que ele fere com o fogo, sente-se mais alimentado para fazer o mal. Nesse comportamento de Zuko, enxergamos muitas outras histórias de pessoas que, ao se machucarem, se cegam para a possibilidade do bem e se veem “no direito de ferir os outros”, gerando uma corrente de dor e sofrimento.

No entanto, após algumas reviravoltas, chegando aos últimos episódios do desenho, o príncipe Zuko se converte para o lado do bem e decide ensinar o Avatar a dominar o fogo, para derrotar seu pai. Ao tentar dar a primeira aula ao Aang, Zuko percebe que não consegue mais controlar o fogo como antes, que sua dominação está muito fraca. O time Avatar (nome do grupo dos amigos que andam com o Aang e o ajudam em sua missão) tenta, então, entender o porquê de Zuko ter perdido seus poderes, e Aang tem um palpite:

  • Talvez sua dominação de fogo venha da raiva e você não está zangado o bastante para abastecê-la como era antes.
  • Mesmo se estiver certo, eu não quero mais me apoiar no ódio e na raiva. Tem que ter outro jeito!

Nesse momento, Toph, dominadora de terra e amiga de Aang, dá um precioso conselho que mudará suas vidas para sempre:

  • Aprenda a retirar sua dominação de fogo de uma fonte diferente. Eu recomendo a fonte original. 

A fonte original! Foi nesse momento do desenho que nos demos conta de que os ensinamentos desse episódio poderiam ser mais profundos do que imaginávamos, pois essa expressão, fonte original, nos recorda parte da Teologia do Corpo, importante obra de São João Paulo II. Este grande santo, movido pelas palavras de Jesus, para nos fazer refletir sobre o Amor, nos leva numa viagem no mesmo sentido da sugestão da personagem do desenho quando nos convida a olharmos para o homem antes do pecado original e estudarmos suas experiências originais, tendo contato com aquilo que Deus havia planejado para Adão e Eva antes de sua desobediência. Aqui não vamos destrinchar cada uma dessas experiências, mas queremos ressaltar que, ao voltar os olhos para as experiências originais do homem, chamadas por São João Paulo II de solidão, comunhão e nudez originais, podemos reordenar nossa visão sobre o amor e a sexualidade nos dias de hoje.

Voltando ao enredo do desenho, Zuko e Aang decidem acolher o conselho de Toph e procuram se voltar às fontes de dominação de fogo originais, a fim de reordenar sua visão sobre a manipulação do fogo. Para nós, reordenar sua visão em relação ao seu Eros. Eles fazem, então, uma viagem até a primeira civilização que aprendeu esse tipo de dominação. 

Zuko, ao chegar lá, parece perceber que precisa reaprender a controlar suas chamas há muito distorcidas, e reconhece que o seu povo “distorceu os meios da dominação de fogo para ser movida à raiva e ódio”. Vendo que aquilo não estava certo, decide aprender o jeito original e reordenar seu dom.

O chefe da tribo diz que poderão reaprender o que querem com os mestres do fogo (que no desenho são dois dragões) e para isso, os dois deverão controlar e levar até os chefes uma pequena chama extraída de um fogo maior, um fogo dado por esses mestres originais. Ao receberem essas chamas, o chefe da tribo os diz:

  • Você tem que manter um calor constante. A chama vai apagar se ficar muito pequena. Se ficar muito grande, você pode perder o controle. […] O fogo é vida, não só destruição.

De fato, não nascemos para sermos mornos, apagados ou sem vida. Nem também nascemos para nos inebriar com todos os prazeres e vivermos um êxtase constante de coisas carnais. O nosso impulso interior, que nos leva para fora de nós mesmos, que alimenta nosso amor e nosso desejo pela santificação, precisa ser equilibrado, devemos, como o chefe da tribo disse, manter um calor constante. O Papa Bento XVI nos relembra em sua carta encíclica Deus caritas est

“o eros inebriante e descontrolado não é subida, “êxtase” até o Divino, mas queda, degradação do ser humano. Fica claro, assim, que o eros necessita de disciplina, de purificação, para dar ao ser humano não o prazer de um instante, mas uma certa amostra do vértice da existência, daquela beatitude para que tende todo o nosso ser”.

Nosso fogo interior não é só destruição. Na verdade, ele se torna destrutivo por causa de nossas más inclinações, por darmos vazão aos nossos vícios e por nos afastarmos da fonte original desse fogo. Quando nos aproximamos de Cristo e permitimos que Ele tire as cinzas impuras de nossa fogueira interior, nossa chama se torna vida, frutifica. Como Cristo deu sua vida por cada um de nós, também somos chamados a nos doar para o outro. Não somos chamados a viver no isolamento do medo ou nos afundar no egoísmo e buscar a destruição das pessoas ao nosso redor.

Ao verem os mestres originais do fogo dominando esse elemento, os personagens se encantam com a profusão de cores e beleza no fogo que sai de suas bocas:

– O fogo deles foi lindo. Eu vi tantas cores! Cores que jamais imaginei, diz Zuko. 

– Todo esse tempo, pensei que a dominação de fogo era destruição. Desde que machuquei a Katara, eu fiquei com medo e hesitante. Mas agora eu sei o que é realmente: é vida, completa Aang.

– É! É como o Sol, mas dentro de nós. Vocês percebem isso?

Se ainda não percebemos o que o Zuko enxergou é porque nos falta compreender que Deus, que é quem dá a vida e a alimenta, como o Sol, e que é capaz de nos aquecer com uma quantidade infinita de cores exuberantes, não está nem um pouco distante de cada um de nós. Na verdade, está dentro de nós. Ao voltarmos nossos olhos às experiências originais de Adão e Eva, estamos tentando descobrir um magnífico tesouro que está dentro de nós mesmos: o impulso que nos leva a sair de nós para alcançar o outro! O primeiro passo do caminho que te leva a reordenar seu Eros está dentro de você, no seu coração. Você deve se abrir a Deus e permitir que Ele sustente o resto do caminho. Deus quer nos ajudar a controlar esse fogo e, com a graça d’Ele, somos capazes de viver numa exuberância de cores. 

Aang e Zuko não se paralisaram diante da triste constatação de que não sabiam como lidar com suas paixões. Buscaram a fonte originária delas e obtiveram uma grande recompensa. Não só aprenderam a soltar fogo pelas mãos, mas foram além e entenderam a verdadeira beleza desse elemento.

Precisamos entender que Deus é quem nos ensina a amar e nos mostra todas as formas de o fazermos: doando nosso tempo aos outros, nossos dons, presenteando, surpreendendo, praticando atos de caridade, carinho e tantas outras formas. O amor é o fogo e a profusão de cores são as manifestações dele. Se queremos realmente reordenar nossas paixões, nosso fogo, precisamos da ajuda dEle, da Graça divina. Só assim poderemos um dia, como bons soldados, tal qual Zuko e Aang, combater o bom combate e completar nossa corrida.

Texto escrito por Maria Augusta e Guilherme Guimarães, missionários da Rede de Missão Campus Fidei.

4.9 18 votos
O que você achou?
Assinar
Notifição de
0 Comentários
Mais antigo
Mais recentes Mais Votada
Feedbacks online
Ver todos os comentários
0
Deixe seu comentário no post!x
Este site utiliza cookies para lhe oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar neste site, você concorda com o uso de cookies.