Este é o primeiro de uma série de artigos sobre figuras do Antigo e do Novo Testamento das Sagradas Escrituras que deixam claro para nós como Deus é próximo de seu povo.
O Livro do Gênesis relata a vida de Abraão a partir do momento em que o Senhor cruza seu caminho e muda sua vida radicalmente. Apesar do autor sagrado não tentar dar uma biografia detalhada, ele apresenta vários episódios que mostram a profunda fé deste santo patriarca e a maneira com que ele permite Deus agir em sua vida. Deus promete dar a ele uma terra a habitar e muitos descendentes, mas Abraão terá de enfrentar uma jornada:
“Sai de tua terra, do meio de teus parentes, da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei. Farei de ti uma grande nação e te abençoarei, engrandecendo teu nome, de modo que se torne uma benção” (Gn 12,1-2)
Algum tempo depois, o próprio Deus muda seu nome: “Já não te chamarás Abrão, mas teu nome será Abraão” (Gn 17,5) para indicar que Ele lhe conferiu “uma nova personalidade e uma nova missão, como pode ser vista pelo significado de seu novo nome: “pai de uma multidão de nações” (Gn 17,5). Seu novo nome deixa claro que o papel especial do patriarca depende de sua aliança com Deus e de sua fidelidade a ela.
Abraão escuta o mandamento de Deus e o coloca em prática, sem prestar muita atenção aonde as circunstâncias pareciam levá-lo. Por que abandonar a segurança de sua terra e esperar descendentes, quando ele e sua mulher já eram idosos? Mas Abraão confiou em Deus, em sua onipotência, sabedoria e bondade. O episódio de Sodoma e Gomorra (Gn 18-19) mostra, além da gravidade do pecado que ofende a Deus e destrói seres humanos, a grande intimidade de Abraão com seu Senhor. Deus não esconde dele o que ele estava prestes a fazer e aceitou a oração de intercessão do santo patriarca. A resposta de fé é baseada na confiança, num relacionamento pessoal com Deus.
Conhecimento do mundo, senso comum, experiência, recursos humanos, tudo isso têm sua importância. Mas se nossa visão permanecesse presa ao plano da prudência humana, nossa percepção de realidade seria false e incompleta, já que Deus Pai sempre está zelando por nós e seu poder não foi reduzido. São Josemaria insistiu: “Em suas afirmações apostólicas você está certo – é seu dever – em considerar que o mundo pode te oferecer (2 + 2 = 4), mas não se esqueça – nunca- que, felizmente, seus cálculos devem incluir outro termo: Deus + 2 + 2…” [1]
As dificuldades da vida, não importa quão adversas pareçam ser, nunca serão a palavra final. Deus é fiel e sempre cumpre suas promessas. Abraão age de acordo com essa realidade. O valor exemplar da fé de Abraão é feito de três virtudes: obediência, confiança e fidelidade.
A obediência da fé
Abraão declara sua fé principalmente obedecendo a Deus. Obediência requer escuta, e o primeiro passo é estar atento, ou seja, saber a vontade da outra pessoa a fim de responder e cumpri-la. Na Sagrada Escritura, obediência não é somente uma questão de cumprir mecanicamente uma ordem; implica em uma atitude ativa que traz em jogo nossas capacidades em responder a Deus que revela a si mesmo, e que nos leva a aderir à vontade divina com toda nossa força e destreza. “Quando Deus o chama, Abraão parte ‘como o Senhor lhe havia dito’ (Gn 12, 4); o coração de Abraão está completamente submetido à Palavra, e assim ele obedece.” (CIC 2570)
A obediência que vem da fé vai além de uma simples disciplina: ela implica a livre e pessoal aceitação da palavra de Deus. Isso ocorre também em muitos momentos da nossa vida, quando somos capazes de aceitar a palavra de Deus ou rejeitá-la deixando nossas próprias ideias prevalecerem sobre o que Ele quer. A obediência da fé é a resposta para o convite de Deus, para andarmos ao lado Dele, sermos amigos Dele. “Obedecer (do latim ob-audire, ‘ouvir e escutar a’) na fé é submeter-se livremente à palavra escutada, por a sua veracidade ser garantida por Deus, que é a própria Verdade. Abraão é o modelo desta obediência proposta pela Sagrada Escritura. A Virgem Maria é a sua mais perfeita realização” (CIC 144).
Confiança e abandono em Deus
Quando consideramos o exemplo de Abraão, vemos que a fé está presente em toda sua vida, e vem à tona especialmente em momentos de escuridão, quando a evidência humana falha. A fé sempre exige certa obscuridade, a vivência de um mistério, sabendo que nunca se atinge uma explicação perfeita, um perfeito entendimento, porque aí já mais seria fé. Como a diz a Carta aos Hebreus, a fé é o fundamento do que se espera e a prova das realidades que não se veem (Hb 11,1). A falta de evidência na fé é tomada pela confiança do fiel em Deus. Pela fé, o patriarca parte em sua jornada sem saber para onde iria. Como o Catecismo da Igreja Católica diz, Abraão tinha de crer grandemente em Deus para viver “como um estrangeiro e peregrino na terra prometida”, (CIC 145) e encarar o sacrifício de seu próprio filho. “Toma teu único filho Isaac, a quem tanto amas, dirige-te à terra de Moriá e oferece-o ali em holocausto sobre um monte que eu te indicar” (Gn 22,2)
A fé de Abraão é revelada em toda sua profundidade quando ele está prestes a renunciar seu filho Isaac. O sacrifício de seu próprio filho é uma profecia da entrega Cristo para a salvação do mundo. É algo tão espantoso que não precisa de qualquer comentário. Mas Abraão não se revolta contra Deus. Ele não O questiona ou expressa dúvida, mas confia n’Ele. Ele se prepara, atento à voz do Senhor, ao fim de sua viagem, no Monte Moriá, e descobre que Deus não quer o sacrifício do sangue de Isaac.
“Não estendas a mão contra o menino e não lhe faças mal algum; agora sei que temes a Deus, pois não me recusaste teu filho, teu único filho… Abraão passou a chamar aquele lugar “O Senhor providenciará”. Hoje se diz: “No monte em que o Senhor aparece” (Gn 22,12-14).
Fé que é Fidelidade
A fé de Abraão é também mostrada com a fidelidade; diante de eventos adversos, ele persevera em sua decisão de seguir a vontade de Deus. Sua fé repousa na palavra de Deus, e assim o leva a decisões profundas que não são assuntos para uma tardia “revisão” ou “repensar”. “Mantenhamos inabalável a confissão da esperança, porque é fiel quem a prometeu” (Hb 10,23). Na nossa vida, sempre haverá momentos que nos ajudam, com a graça de Deus, a fortalecer e consolidar nossa fé. Abraão foi submetido a uma tremenda provação: ter de sacrificar aquele que foi fruto da promessa feita a ele. O santo patriarca não só teve de confrontar momentos difíceis, mas também “esperar contra toda esperança” (Rm 14,18), porque as situações o levaram a “julgar” a vontade divina, a duvidar do próprio Deus e sua fidelidade. Aqui está a raiz da provação apresentada a Abraão.
Também nós podemos, às vezes, depararmo-nos com situações em que sentimos que Deus está nos pedindo algo difícil: dar um passo à frente em nossa vida como cristãos, renunciando a uma maneira de agir ou até de ser, a qual está profundamente arraigada em nós, mas que talvez diminua a fecundidade de nosso apostolado. A provação pode surgir para silenciar aquela inquietação, de fazer com que vejamos a nossa vontade como a vontade de Deus: “a tentação de deixar Deus de lado, a fim de colocarmos nós mesmo no centro, está sempre à porta” [2].
Abraão não agiu dessa maneira. Ele caminhou rumo ao Monte Moriá em meio a um profundo conflito interno, mas convencido de que, cedo ou tarde, “Deus providenciará” (Gn 22,8). E Deus, que é determinado a se fazer compreendido, no fim realmente providenciou. Para receber a graça, Abraão teve de aceitar toda a jornada, começar a caminhar e chegar ao fim. Nós também, se procurarmos seguir a vontade de Deus a todo momento, iremos descobrir que, apesar de nossas limitações, Deus fará nossas vidas valerem a pena. Nós iremos saber e sentir que Deus nos ama, e não teremos medo de amá-Lo: “A fé se professa com a boca e com o coração, com a palavra e com amor” [3].
Referências:
[1] São Josemaria, Caminho, no. 471
[2] Papa Francisco, Audiência Geral, 10 de abril de 2013
[3] Papa Francisco, Audiência Geral, 3 de abril de 2013
Por Y. Yaniz
Fonte: Opusdei.org
Traduzido por Gabriel Dias – Membro da Rede de Missão do YOUCAT BRASIL, como Voluntário no Núcleo de Tradução e atualmente também participa do Grupo de Estudo YOUCAT DATING em Brasília – DF.