O trabalho humano (parte 2)

Num primeiro momento, refletimos sobre o propósito espiritual do trabalho. Confira aqui o texto. Agora, gostaria de explorar um pouco mais este assunto.

Já ouvi algumas vezes a seguinte frase: ”Trabalhe com o que você gosta e nunca mais você terá que trabalhar”. Mas nem sempre é assim. Na verdade, na maioria das vezes temos que fazer muito do que não gostamos para encontrar prazer no labor.

E não é apenas para chegar no “trabalho dos sonhos” que temos de passar por dificuldades. O próprio trabalho dos sonhos apresenta as suas durezas. Mário Sérgio Cortella explica um pouco sobre isso em uma entrevista que ouvi outro dia: para ser longevo, preciso me cuidar, fazer musculação – coisas que detesto. Por que faço então? Porque o objetivo da longevidade é mais importante do que o meu dissabor de ir à academia.

Enfermeiros, médicos e bombeiros gostam de salvar vidas, mas duvido muito que sentem algum prazer em retirar corpos de pessoas falecidas. Militares, em geral, gostam de atirar, mas detestam tirar serviço (sei porque fui um). Jogadores de futebol gostam de fazer gols de placa e serem aplaudidos por estádios lotados, mas não se regozijam ao treinar todos os dias, por muitas horas, e terem uma dieta extremamente regrada. Mas assim como o suor do rosto nos lembra da queda (Gn 3, 17-19), essas dificuldades diárias nos aproximam da cruz, onde o sacrifício transforma o esforço em redenção.

É o propósito, o objetivo por trás, o fim último, que faz cada serviço (por torturante que seja) ser prazeroso. Já ouvi de outras pessoas mais pessimistas: “Trabalhe com o que você gosta e você nunca mais gostará do que gosta.” Apesar da brincadeira, isso esconde uma verdade: o fato de gostar de uma atividade não resolve todas as situações.

Mas aqui ouso dizer que, quando fazemos muito bem feitas, e com generosidade, as tarefas mais desgostosas do trabalho, encontramos aí um tesouro, uma alegria escondida. Rubem Braga, em uma crônica magnífica (O Motorista do 8-100), conta a história real de um condutor de caminhão de lixo que, todas as manhãs, fazia o seu veículo rebrilhar de limpeza, como quem faz um protesto superior aos homens do Rio de Janeiro. “O lixo é vosso: meus são estes metais que brilham, meus são estes vidros que esplendem, minha é esta consciência limpa.”

Portanto, sugiro ir além, como o motorista do 8-100. Não façamos “apenas” com amor, que se doa, que se sacrifica – sei que já não é pouco. Mas abramos a porta para fazer com um amor generoso, que encontra a alegria mesmo nas tarefas mais repugnantes. Afinal, a promessa não é minha, mas de Jesus: “Pedi e vos será dado. Buscai e achareis. Batei e a porta será aberta” (Mt 7, 7).

Texto escrito por Pedro Pagano, missionário da Rede de Missão Campus Fidei.

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