Para um mundo limitado pela luxúria, o celibato ao longo da vida parece absurdo. A atitude geral do mundo em relação ao celibato cristão pode ser resumida da seguinte forma: “Ei, o casamento é a única forma ‘legítima’ que vocês cristãos têm para satisfazer seus desejos. Por que diabos você gostaria de abrir mão disso? Você estaria se condenando a uma vida de repressão, sem esperança”.
A diferença entre o casamento e o celibato nunca deve ser entendida como a diferença entre ter um canal “legítimo” para a luxúria sexual, por um lado, e ter que reprimi-la, por outro. Cristo chama todos – não importa sua vocação particular – para experimentar a redenção do domínio da luxúria. Somente desta perspectiva as vocações cristãs (celibato e matrimônio) fazem algum sentido. Ambas as vocações – para que sejam vividas como Cristo quer – devem fluir da experiência da redenção do corpo.
Como João Paulo II disse, a pessoa celibatária deve submeter “a pecaminosidade da própria humanidade às forças que brotam do mistério da redenção do corpo… como todos os outros homens” (Teologia do Corpo 77 parágrafo 4). É por isso que ele indica que o chamado ao celibato não é apenas uma questão de formação, mas de transformação (confira TdC 81 parágrafo 5). Na medida em que uma pessoa vive essa transformação, ela não é limitada a satisfazer a libido. Ela é livre com a liberdade do dom. Para uma pessoa assim, sacrificar a união sexual (o ícone) pelo bem do reino (a realidade para a qual o ícone aponta) não apenas se torna uma possibilidade, mas também é bastante atraente. A realidade, de fato, é infinitamente mais atraente que o ícone! Pensar de outra maneira vira o céu e a terra de cabeça para baixo, transforma o ícone em um ídolo.
Ao se dirigir aos celibatários consagrados sobre o papel do eros em sua vocação, o padre Raniero Cantalamessa observou que o celibato cristão testemunha a verdade de que “o objeto primário no nosso eros, da nossa busca, desejo, atração, paixão, deve ser o Cristo”. Ele continuou:
É só o que pode nos defender dos altos e baixos do coração. … O amor dele não nos elimina… a atração do outro sexo (ela faz parte da nossa natureza, que Ele criou e não quer destruir). Mas nos dá a força para vencer essas atrações com uma atração mais forte. “Casto”, escreve São João Clímaco, “é quem afasta o eros com o Eros”. (As duas faces do amor: ‘eros’ e ‘ágape’)
Ah, Eros com “E” maiúsculo – o próprio fogo do amor de Deus – é aqui que o eros com “e” minúsculo, o fogo dentro de cada um de nós – deve nos levar. E se a descrição do amor de Deus com a palavra grega ágape é mais familiar para nós, lembre-se da declaração do Papa Bento XVI de que o amor de Deus “pode ser qualificado sem dúvida como eros“. Em Cristo, eros é “enobrecido ao máximo… tão purificado que se funde com o ágape” (Deus Caritas Est 9, 10). De fato, a unificação de eros e ágape é o “fogo” que Cristo veio lançar sobre a terra (confira Lc 12, 49).
O ensinamento de São Paulo
Nesse contexto, é importante entender adequadamente os ensinamentos de São Paulo sobre matrimônio e celibato em I Coríntios 7. Ele escreve que pessoas que “não podem guardar a continência, casem-se. É melhor casar do que abrasar-se.” (versículo 9). O casamento é destinado apenas para aqueles que “não conseguem lidar” com o celibato? O casamento repentinamente faz com que a falta de autocontrole (luxúria) de uma pessoa fique “tudo bem”? Não de acordo com João Paulo II.
O santo polonês nos lembra que não podemos interpretar as palavras de Paulo separadas das palavras de Cristo sobre a luxúria. O verbo traduzido como “abrasar-se” significa luxúria. “Casar-se” significa a ordem ética – o chamado para superar a luxúria – que São Paulo introduz conscientemente nesse contexto (veja TdC 101 parágrafo 3). Assim, de acordo com João Paulo II, parece que Paulo está dizendo algo assim: “É melhor vencer a luxúria pela graça do matrimônio do que permanecer envolvido por suas chamas”.
João Paulo II reconhece que os ensinamentos de Paulo sobre matrimônio e celibato são marcados por “um timbre próprio, em certo sentido a própria interpretação ‘pessoal’” (TdC 82 parágrafo 1). Ele até pergunta se as declarações de Paulo indicam uma “aversão pessoal” ao matrimônio (confira TdC 83 parágrafo 3). Quando retirados do contexto, versículos como “seria bom ao homem não tocar mulher alguma” (versículo 1), “quereria que todos fossem [celibatários] como eu” (versículo 7) e “Não estás casado? Não procures mulher” (versículo 27) podem levar alguém a acreditar que sim. Mas João Paulo II demonstra que uma leitura cuidadosa de todo o texto leva a uma conclusão diferente.
São Paulo combate diretamente a ideia equivocada que circulava em Corinto de que o casamento e a união sexual eram pecaminosos. O casamento é um “um dom particular” (versículo 7). Os cônjuges “não devem recusar um ao outro” em seu relacionamento sexual “exceto talvez por comum acordo” (versículo 5). E São Paulo elogia os que se casam por “fazer bem” (confira o versículo 38).
O celibato é “melhor” que o casamento?
Por que, então, São Paulo diz que “aquele que não casa, faz ainda melhor” do que aqueles que se casam (versículo 38)? Com base nessas palavras, a Igreja tradicionalmente ensina que o celibato é uma vocação objetivamente “superior”. Mas isso deve ser entendido com muito cuidado para não cairmos em erro grave. Muitos concluíram erroneamente que, se o celibato é tão bom, o casamento então deve ser ruim. Se a abstenção do sexo torna alguém “puro e santo”, fazer sexo – mesmo no matrimônio – deve tornar alguém “contaminado e sujo”. Esse não é o pensamento da Igreja! Tais desvalorizações do casamento e união sexual, na verdade, resultam da heresia maniqueísta¹.
João Paulo II deixa perfeitamente claro: A “superioridade” do celibato ao matrimônio na autêntica Tradição da Igreja “não significa nunca uma depreciação do matrimônio ou uma diminuição do seu valor essencial. Não significa tampouco um desvio, nem sequer implícito, para as posições maniqueístas ou um apoio a modos de avaliar e de agir que se fundam na compreensão maniqueísta do corpo e do sexo”. No ensino autêntico da Igreja, “não encontramos base alguma para qualquer desmerecimento do matrimônio” (TdC 77 parágrafo 6).
O celibato é o chamado “excepcional”, porque o casamento continua sendo o chamado “normal” nesta vida. É “melhor” não por causa do próprio celibato, mas porque é escolhido para o reino. É melhor no sentido de que o casamento celestial (ao qual os celibatários se dedicam mais diretamente) é superior ao casamento terreno. O celibato cristão dá aos que o vivem autenticamente uma antecipação ainda mais intensa da comunhão por vir com Deus e com todos os santos.
Isso significa que, se realmente quiséssemos seguir a Deus, todos seríamos celibatários? Não. Como escreve São Paulo: “cada um tem de Deus um dom particular: uns este, outros aquele” (versículo 7). Devemos discernir com cuidado e em oração qual “dom” Deus nos deu. Subjetivamente falando, a melhor vocação é aquela a qual Deus nos chama como nosso dom pessoal. Se o casamento é seu dom, alegre-se! Esse é o seu caminho para o céu. Se o seu dom é o celibato, alegre-se! Esse é o seu caminho para o céu.
¹O maniqueísmo ensina que há uma divisão dualista de corpo e alma, levando à crença herética de que o espírito é bom, mas o corpo é ruim.
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Autor: Christopher West
Fonte: The Cor Project
Traduzido por Angela de Oliveira – Membro da Rede de Missão Campus Fidei.