O dogma católico da virgindade de Maria nos faz perceber que seu matrimônio com José é algo grandioso, a ser venerado, mas, por vezes, talvez corra o risco de parecer distante, como se fosse uma relação com pouco amor, um enlace “organizado” mais pelo Céu que pela Terra, e que havia apenas um objetivo funcional, aquele de dar a Jesus um pai adotivo, uma fachada que fizesse parecer tudo normal. Eu creio, ao invés disso, que, entre José e Maria, existia um grande amor, um grandíssimo amor.
A antiga “Prática das sete dores e alegrias de São José” fala do momento em que José deveria decidir que comportamento teria com sua esposa, de repudiá-la ou não, depois de ter descoberto que Ela estava grávida de um filho que não era seu. Foi um momento doloroso que São Josemaria Escrivá descreve como “angustiante”.
Estou convencido de que essa agonia é, em parte, também uma preocupação comum que cada casal sente quando vê o próprio relacionamento ameaçado. Me interessa, nessas poucas linhas, debruçar-me no fato de que essa dor, essa preocupação, foi de ambos. José sofria a respeito de ter de decidir qualquer coisa diversa do prescrito na Lei mosaica, mas também Maria temia: ela não temia tanto de ser apedrejada quanto de se ver sozinha e de ter de enfrentar, com suas próprias forças, aquilo que a vida junto daquele Filho tão misterioso lhe havia reservado.
A expressão de Mateus pela qual José “recebeu, em sua casa, sua esposa” (Mt 1,24) possui, a meu ver, um profundo paralelo com aquela de João 19, 25-27, na qual o discípulo amado “acolhe consigo” a Mãe. No caso de João, é também expressamente dito, no quarto Evangelho, que a ação “passiva” de Maria de se deixar acolher precede a ação do discípulo que a acolhe; o Evangelho de fato nos diz que Jesus, antes de se voltar ao discípulo predileto, volta a sua atenção e sua palavra à Mulher/Mãe: “Quando Jesus viu sua mãe e, perto dela, o discípulo que amava, disse à sua mãe: Mulher, eis aí teu filho” (Jo 19, 26).
Sempre me tocou uma afirmação do Papa Bento XVI, de 22 de abril de 2011, feita na transmissão televisiva de “A sua Imagem”. Naquela entrevista, Ratzinger, respondendo a uma pergunta sobre a passagem mencionada, disse que o ato de entrega de Jesus a João foi, primeiramente, um ato muito humano. “As palavras de Jesus [em Jo 19, 26] são sobretudo um gesto muito humano. Vemos Jesus como um verdadeiro homem que faz um ato humano, um ato de amor pela mãe e a confia ao jovem João, para que esteja segura. Uma mulher sozinha no Oriente, àquela época, era uma situação impossível. Jesus confia a mãe a este jovem, e o jovem João à sua mãe, de modo que Ele de fato age com um sentimento profundamente humano. Isto me parece muito belo e muito importante, para que, antes de qualquer teologia, seja visto nesse ato uma verdadeira humanidade, um verdadeiro humanismo de Jesus”.
Se Jesus sabia que seria impossível a vida para uma mulher sozinha, também Maria bem o sabia. Bom, penso que uma dinâmica similar aconteceu trinta e três anos antes entre Maria e José. Se era “impossível” a vida de uma mulher sozinha, porque não deveria ser, ao menos, igualmente dura a vida de uma mulher sozinha que, além do mais, tinha um filho? Por isso, acredito que o anúncio do anjo a José, que vem após a agonia experimentada por ele, tenha sido fruto também das orações de Maria. Os Evangelhos não contam onde estava Maria naquelas horas dolorosas, mas João escreve que Maria estava sob a cruz de Jesus: stabat¹.
Maria não poderia ter reservado seu stabat somente ao momento da cruz. Só se consegue estar diante do sofrimento daqueles que se ama se, gradualmente, se aprendeu a fazê-lo. Por isso, penso que Maria já teria experimentado outras vezes o stabat da cruz, e talvez o início do aprendizado tenha sido justamente encontrar-se assistindo o tormento de José diante do Mistério. Enquanto dentro de José acontecia uma terrível luta, Maria ficou firme e esperava; e, por isso, sofria. Uma mulher que ama o próprio homem sofre quando sabe que ele está sofrendo.
É verdade: o menino que trazia em seu ventre era filho do Pai celeste e a Ela confiava tanto que poderia estar certa de que o Pai não a abandonaria, mas como continuaria seu relacionamento com José? Como evoluiria o seu viver conjugal virginal – que, com certeza, tinha criado uma ligação maravilhosa e singular? Maria aprendeu aquilo que viveu sobre o Gólgota estando, primeiramente, em frente à cruz do seu esposo. Maria obteve de Deus que o vínculo de amor com José não se quebrasse e José presenteou sua esposa com o início daquela força que ela deveria ter aos pés da cruz.
[¹N. T.: Aqui, faz-se referência ao hino “Stabat Mater Dolorosa”, que é iniciado: Em pé (stabat), a mãe dolorosa, junto da cruz, chorando, da qual pendia o seu filho.]
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Autor: Don Mauro Leonardi
Padre italiano, nascido em 4 de abril de 1959, o mais velho de quatro filhos. Foi ordenado padre em 1988, pelo Papa João Paulo II. Atualmente é pároco de uma Escola em Roma e colabora na paróquia de San Giovanni Battista in Collatino. É escritor de vários livros e criou o blog Come Gesú, em 2011.
Fonte: Opus Dei
Traduzido por Maria Augusta Viegas – Membro da Rede de Missão Campus Fidei.