O que, é no fundo, a liturgia? O que acontece nela? Que espécie de realidade encontramos ai?
Dando continuidade à nossa reflexão sobre a natureza íntima da Igreja, que segundo o Papa Bento XVI em sua Encíclica “Deus Caritas Est” se exprime num tríplice dever: “Anúncio da Palavra de Deus (kerygma-martyria- didaché), Celebração dos Sacramentos (leiturgia) e Serviço da Caridade (diakonia)”, hoje vamos começar a conhecer e partilhar um pouco daquele segundo dever, porque a Igreja não apenas anuncia a fé, ela sobretudo celebra aquilo que crer por meio da sua LITURGIA.
Católicos, ortodoxos, luteranos e anglicanos. Estas grandes expressões cristãs são conduzidas por algo que ordena e conduz os seus respectivos cultos e ritos por séculos: a LITURGIA. Mas o que, é no fundo, a liturgia? O que acontece nela? Que espécie de realidade encontramos ai? Pois bem, na tentativa de encontrarmos as respostas para essas e outras perguntas, vamos explorar, em primeiro lugar, o próprio conceito de LITURGIA a partir da sua etimologia. Se abrirmos o Catecismo da Igreja Católica, poderemos ler que “originariamente, a palavra «liturgia» formada por leiton (povo) e ergon (obra, ação), significa «obra pública», «serviço por parte dele em favor do povo». Na tradição cristã, quer dizer que o povo de Deus toma parte na «obra de Deus»” (CIC 1069). De outro modo podemos dizer que a partir da etimologia e da Teologia cristã que tomou este vocábulo do mundo grego, a Liturgia é obra de Deus, e consequentemente obra de Cristo (CIC 1072), da qual a Igreja participa celebrando o seu Mistério Pascal. Parece complicado? Veremos que não…
Quando a Igreja nos ensina que a Liturgia é Obra de Deus, com isso ela está nos indicando que o primado de toda ação litúrgica é d’Ele, que é Ele quem toma a iniciativa, quem nos precede no amor (I Jo 4, 10). A Obra é de Deus porque é Ele quem age primeiro em favor da nossa redenção. É na Liturgia que vemos claramente que “quando alguém dá um pequeno passo em direção a Jesus, descobre que Ele já aguardava de braços abertos a sua chegada” (Evangelii Gaudium 3). Por isso toda celebração litúrgica é na terra por excelência o lugar o tempo do bonito encontro entre Deus e o homem.
Em uma de suas catequeses em outubro de 2012, o Papa Bento XVI de forma tão profunda nos ensinou que a liturgia “ela é o ato no qual cremos que Deus entra na nossa realidade e nós podemos encontrá-Lo e tocá-Lo. É o ato no qual entramos em contato com Deus: Ele vem a nós, e nós somos iluminados por Ele. Por isso, quando nas reflexões sobre a liturgia focalizamos apenas o modo como a tornar atraente, interessante e bonita, corremos o risco de esquecer o essencial: a liturgia celebra-se para Deus, e não para nós mesmos; é obra sua; Ele é o sujeito; e nós devemos abrir-nos a Ele e deixar-nos guiar por Ele e pelo seu Corpo, que é a Igreja.” Em outras palavras: somos chamados a participar ativamente dessa obra de Deus, responder à sua iniciativa amorosa, desejar firmar os laços dessa relação filial e ir ao seu encontro com o coração agradecido, transbordando de gratidão, isto é, cheios de Ação de Graças.
Talvez possamos ainda nos perguntar: mas qual é mesmo esta obra de Deus na qual somos chamados a participar? O Concílio Vaticano II em sua Constituição sobre a Sagrada Liturgia nos responde nos números 5 e 7 que “a Obra de Deus são seus grandes gestos históricos desde o povo da Antiga Aliança até o cume da morte e ressurreição de Jesus Cristo na Nova e Eterna Aliança, ou seja, aquilo que chamamos de Mistério Pascal”. Por isso que para realizar tão grande obra do Pai, Cristo está sempre presente na sua Igreja, especialmente nas ações litúrgicas por meio do Espírito Santo. É por isso que a Liturgia enquanto ação de Deus é também ação de Cristo, o exercício da sua função sacerdotal para glorificar ao Pai e nos redimir. E como Cristo é a cabeça da Igreja, o seu corpo místico, a liturgia é portanto ação do “Cristo total” (CIC, 1136), ou seja «é toda a comunidade, o corpo de Cristo unido à sua Cabeça, que celebra» (CIC, 1140). Em síntese: a Liturgia é Obra de Deus e, consequentemente, obra de Cristo, da qual a Igreja participa celebrando o seu Mistério Pascal. É o bonito e fecundo encontro do “Tu de Deus” com o “nós da Igreja”. Mediante a liturgia, “a obra de Cristo é continuamente posta em contato com a história, com a nossa vida, para a plasmar” (Papa Bento XVI).
Esse contato é um diálogo de amor, onde Deus é o destinatário de todas as nossas palavras litúrgicas. Em Cristo podemos dialogar com Deus Pai como filhos; de outra forma, não é possível, mas em comunhão com o Filho podemos dizer, também nós, como Ele disse: «Abbá». Isso fica mais claro quando a olharmos para a Missa, finalmente entendemos segundo o Cardeal Ratzinger que “ela é a celebração comunitária do banquete entre Deus e cada pessoa, entre Cristo e os cristãos, na qual se faz presente dessa maneira a memória do sacrifício, da entrega sacrificial de si mesmo que Cristo faz a Deus pelos homens”. O sacrifício da Missa é a refeição da Aliança. E a aliança é um sinal próprio da relação do encontro amoroso entre as pessoas. Para além disso, temos um outro aspecto: nos encontramos na Missa como irmãos em volta da mesa do mesmo Pai. É a realização da fraternidade dos cristãos entre si em virtude do mistério de que Deus mesmo quis se fazer nosso irmão em Cristo. Por isso a Liturgia além de ser o encontro entre Deus e os homens é também o encontro dos homens entre si, o encontro dos membros desse Corpo Místico que é a Igreja.
Nos próximos artigos, nos deteremos em outros aspectos da liturgia. Para aprofundar um pouco mais, indicamos hoje a leitura da Constituição Conciliar “Sacrosanctum Concilium”, capítulo primeiro
- BÍBLIA: Mt 18, 20; At 2, 42
- CATECISMO: 1066 a 1112;
- COMPÊNDIO do Catecismo: 218 e 219;
- YOUCAT: 166 a 171.