[NOTA: Transformando sua vivência da Missa com as lentes da Teologia do Corpo – Parte 2. Essa série de posts em duas partes é extraída do novo livro de Christopher West, Word Made Flesh: A Companion to the Sunday Readings].
Vamos tentar fazer com que essa mensagem essencial se aprofunde em nosso coração: o Cântico dos Cânticos, essa ousada celebração do amor erótico, expressa a essência da fé bíblica. Como assim? A essência da fé bíblica é que Deus encarnou-se e veio até nós, não apenas para perdoar nossos pecados (por mais surpreendente que seja esse dom); Ele se tornou “uma só carne” conosco para que pudéssemos fazer parte de seu eterno intercâmbio de amor. No primeiro dos muitos sermões sobre o Cântico dos Cânticos, São Bernardo de Claraval apropriadamente descreveu o casamento como “o sacramento da eterna união com Deus”. O livro do Apocalipse chama essa união sem fim de “núpcias do Cordeiro” (Ap 19,7).
E tem mais. Lembre-se do verso que as crianças aprendem: “Primeiro vem o amor, depois vem o casamento, depois vem o bebê em seu carrinho”?[1] Nós, provavelmente, não percebíamos enquanto crianças como estávamos recitando uma profunda verdade teológica. Sim, nossos corpos contam uma história divina; nossos corpos contam a história de que Deus nos ama, quer casar-se conosco e quer que “concebamos” a vida eterna dentro de nós. E isso não é apenas uma metáfora.
Representando todos nós, uma jovem judia chama Maria deu seu “sim” ao pedido de casamento de Deus com tanta totalidade e fidelidade que ela literalmente concebeu a vida eterna em seu ventre. Em um hino dirigido a ela, Santo Agostinho exclama: “O Verbo se une à carne, faz sua aliança com a carne, e o teu ventre é o leito sagrado em que se consuma essa santa União do Verbo com a carne” (Sermão 291). A virgindade de Maria sempre foi entendida pela Igreja como sendo o sinal de sua união esponsal com Deus. Ela é a “noiva mística do amor eterno”, como diz um tradicional hino. Como tal, Maria cumpre perfeitamente o caráter esponsal da vocação humana em relação a Deus (cf. CIC 505).
Penetrando a essência do Mistério
No meio do desdobramento da analogia bíblica do amor esponsal, é muito importante entender os limites dentro dos quais estamos usando essa linguagem e imagem. “É óbvio”, escreveu São João Paulo II, “que a analogia do… amor humano esponsal, não pode oferecer uma compreensão adequada e completa do… mistério divino.” O “mistério de Deus continua transcendente com respeito a esta analogia como com relação a qualquer outra analogia”. Ao mesmo tempo, contudo, João Paulo II sustenta que a analogia esponsal permite um certo “aprofundamento” na própria essência do mistério (veja TdC 95b, 1). E nenhum autor bíblico alcança mais profundamente a essa essência do que São Paulo em sua carta aos Efésios. Referindo-se diretamente ao Gênesis, São Paulo declara:
“Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá a sua esposa, e os dois tornar-se-ão uma só carne.”
Então, estabelecendo um paralelo entre o casamento original e o casamento derradeiro, ele acrescenta:
“É grande este mistério: refiro-me à relação entre Cristo e sua Igreja” (Ef 5, 31-32).
Nós dificilmente conseguiríamos exagerar sobre a importância dessa passagem para São João Paulo II e toda a tradição teológica da Igreja. Ele chama isso de “summa” (“resumo total”) do ensinamento cristão sobre quem Deus é e quem nós somos (ver Carta às Famílias 19). Ele diz que essa passagem é o “coração” de todos os temas da Sagrada Escritura e expressa a “realidade central” de toda a revelação divina (veja TdC 87,3). O mistério mencionado na passagem “é ‘grande’, de fato”, afirmou o Papa. “É o que Deus… deseja, acima de tudo, transmitir à humanidade em sua Palavra.” Portanto, “pode-se dizer que [essa] passagem… ‘revela – de maneira particular – o homem para o próprio homem e deixa clara sua vocação suprema’” (TdC 87,6; 93,2).
Então, o que é essa “vocação suprema” de todo humano que nos ilumina Efésios 5? Balbuciando palavras para tentar descrever o inefável, os místicos chamam de “união nupcial” … com Deus. Cristo é o novo Adão que deixou seu Pai no Céu. Ele também deixou a casa de sua mãe da Terra. Por que? Para preparar o “leito conjugal da cruz”, como Santo Agostinho retratou, unindo-se à Igreja e consumando essa união eternamente.
Venha ao Banquete Nupcial
Quanto mais permitimos que os brilhantes raios da Teologia do Corpo de São João Paulo II iluminem nossa visão, mais compreendemos, como observa o Catecismo, como “toda a vida cristã traz a marca do amor esponsal de Cristo e da Igreja. O Batismo, a entrada no Povo de Deus, já é um mistério nupcial; ele é, por assim dizer, o banho nupcial que precede o banquete de núpcias, a Eucaristia” (CIC 1617)
Eu nunca conheci meu sogro; ele morreu quando minha esposa ainda era uma menina. Mas eu o admiro tremendamente por causa da intuição que ele tinha como um marido novinho em folha. Na Missa, no dia seguinte ao seu casamento, tendo consumando seu casamento na noite anterior, ele estava em lágrimas ao voltar ao banco depois de receber a Eucaristia. Quando sua nova esposa o questionou sobre seu estado emocional, ele respondeu “Pela primeira vez na minha vida eu entendi o significado dessas palavras: ‘Este é o meu corpo dado por vós.’”
Ele era um homem para quem a Palavra de Deus não era uma letra morta. A Palavra de Deus se tornou carne… em sua própria carne. Ele era um homem que recebera olhos para ver e ouvidos para ouvir o que a Palavra de Deus é em sua essência: um convite para uma festa de casamento.
Minha oração e minha esperança é que quando você for à Missa no Domingo, chegue com antecedência suficiente para ler as leituras do dia e comece desde já entrar nos tesouros da liturgia daquele dia. Assim como com os discípulos na estrada para Emaús, Cristo está caminhando conosco para “abrir as Escrituras” a nós e, ainda, revelar-se para nós no partir do pão. Senhor, dai-nos ouvidos que ouçam e olhos que vejam. Amém.
O que acontece com sua percepção sobre a Missa quando você começa a enxergá-la como um Banquete Nupcial, como a história de todas as histórias de amor? Compartilhe conosco seus comentários nesse post por aqui ou no Facebook em nossa página.
[1] Cantiga popular em inglês: “First comes love, then comes marriage, then comes the baby in the baby carriage”.
Autor: Christopher West – Livro Word Made Flesh
Fonte: Cor Project
Traduzido por Rodrigo Mourão – Membro da Rede de Missão do YOUCAT BRASIL como Voluntário nos Núcleos de Tradução, Formação e atualmente participante do Grupo de Estudo YOUCAT DATING em Brasília – DF.