
Quando me perguntam sobre a escolha do meu curso e a relação com a minha fé, eu
sempre faço memória agradecida da minha história. O que muda no meu caminho dentro da
Psicologia pelo fato de eu ser católica? Nada e tudo.
Vou tentar explicar. Eu entrei no curso de Psicologia depois de me converter e perceber que de
toda a criação que Deus havia nos dado o ser humano seria uma das coisas mais fascinantes
de serem estudadas. Eu passei um tempo refletindo sobre como estudar o ser humano:
medicina ou filosofia? Por fim, decidi que escolheria a Psicologia, para estudar a alma
humana. Essa história é bonita e verdadeira, mas é apenas uma de suas versões.
Existe uma série de sofrimentos pessoais e familiares que às vezes eu conto e às vezes eu
oculto. Na verdade, quando eu passei no vestibular, foi uma amiga que teve que me ligar e eu
quase perdi o prazo de inscrição. A vida tem dessas coisas. Pequenos “acasos” que mudam
toda a história. Uns chamam de acasos, outros de providência.
A verdade é que eu nem queria escolher um curso no ensino médio, eu queria ser
dona de casa e cuidar dos meus filhos. Problema: Nem namorado eu tinha, muito menos
filhos para cuidar. Então eu tive que decidir o que fazer com a minha vida. Enquanto isso, eu
me convertia e começava a ir para o meu grupo de jovens. Lá eu comecei a conhecer sobre a fé,
sobre vocação, sobre amor e responsabilidade… comecei a repensar todas as minhas crenças e valores.
As ciências humanas são mais complexas do que as pessoas imaginam. Se estudarmos
a história da Psicologia, veremos que até hoje não se tem um consenso sobre o objeto de
estudo dessa ciência “tão antiga e tão nova”. Uns dizem que devemos estudar os pensamentos
e emoções, outros dizem que isso é subjetivo demais, por isso devemos estudar os
comportamentos observáveis. Aí outro grupo vem e diz que o que importa é o que a pessoa
considera como realidade, já que a percepção humana é limitada e não podemos confiar nos
nossos sentidos. Devemos estudar os sofrimentos, as alegrias, as crises ou os sucessos?
Devemos classificar as pessoas em caixinhas? Como decidimos se algo é normal ou
patológico? O próprio Machado de Assis nos apresenta esse problema no conto “O alienista”,
se não houver um critério claro para nos guiar sobre isso é melhor trancar todo mundo em
uma “casa verde”.
Rapidamente percebi que precisaria me agarrar a alguma coisa. Me agarrei ao que eu
havia aprendido na catequese. Existe uma lógica na criação divina, o ser humano é capaz da
verdade e é um ser livre. Esse critério, já me ajudou muito a discernir o que eu poderia levar
em conta ou não. A questão é que, se eu sou capaz da verdade, o outro ser humano também o é.
Como eu poderia explicar essa confusão? Quando escutamos com atenção, percebemos que
as outras pessoas também são capazes de reconhecer elementos da verdade e que existe uma
lógica por trás da loucura mais absurda.
Em uma aula, um professor afirmou que minha mãe não me amava o tempo todo,
porque o amor é apenas uma resposta fisiológica a um estímulo. Isso não abalou em nada o
meu relacionamento com a minha mãe, mas algumas pessoas saíram com crises existenciais.
Loucura para qualquer pessoa de bom senso ignorar, mas não podemos deixar de afirmar que
é lógico. Se amor é uma resposta fisiológica a um estímulo, se eu não ficar perto da minha
mãe o tempo todo, ela vai parar de me amar. Qual o problema lógico dessa afirmação?
Durante o curso, a gente brinca que passa cinco anos aprendendo a dizer “depende”.
Se uma pessoa fala sobre morte constantemente e sobre desejos de morte, qualquer
profissional de saúde mental deve ficar atento em relação à segurança dessa pessoa e buscar
por fatores protetivos. Com essa afirmação, acredito que não temos problema algum e é bom
que não tenhamos. Mas e quando estamos falando de um mártir? Quando Santa Teresinha
afirmou que gostaria que a mãe dela morresse, poderíamos desejar internar a menina que
além de pensar na morte estava a desejando para a sua mãe. São Francisco deu todos os seus
bens e chegou até a falar com peixes. Santa Joana D´arc ouvia vozes que a convidavam a
libertar toda a França.
Saber que os santos existem me fez buscar um conceito melhor de loucura? Saber
que minha mãe me ama, me fez buscar um conceito melhor de amor? Eu conheci a verdade
para nela crer ou eu tive fé e depois eu fui entender sobre isso? Um bom pesquisador pensa
sobre essas coisas e sobre as limitações dos seus estudos.
Chesterton afirma que você não pode viver sem dogmas sobre as coisas, que não
podemos agir vinte e quatro horas por dia sem decidir se as pessoas são responsáveis ou não.
Afirmou ainda que a Teologia é um produto muito mais prático que a Química. Eu tenho que
pensar sobre dar ou não um diagnóstico. Mas também tenho que pensar sobre ir ou não à
missa no domingo. Tenho que pensar sobre comprar ou não algum curso. Tenho que pensar
sobre ir ou não à academia. Casar ou ir a um convento. A vida tem dessas coisas. Pequenos
“acasos” que mudam toda a história. Uns chamam de acasos, outros de providência.
A verdade é que eu não tinha ideia do que a vida iria me apresentar no futuro. Hoje,
sou missionária e existem jovens que me perguntam sobre o que é o amor ou que linha da
psicologia eles devem buscar. Amanhã eu talvez tenha filhos que me perguntem por que devem ir
à missa ou o por que eles não podem comer sorvete antes do almoço. Às vezes essas
perguntas são feitas verbalmente. Às vezes eu respondo com palavras. Às vezes eu faço
perguntas sobre a vida. Às vezes a vida pergunta para mim.
A questão é que o Catecismo me diz que o ser humano é capaz da verdade. A questão
é que Santa Teresinha afirmou que “Deus não pode inspirar desejos irrealizáveis” e um dia
eu desejei conhecer o ser humano. A questão é que um dia eu olhei no espelho e descobri que
o ser humano ama, sofre, vive e morre.
Texto escrito por Juliana de Andrade, Missionária do Campus Fidei.