Seja por esquecimento, seja por uma necessidade mais urgente ou ainda por uma vontade fraca causada por nossa tibieza (cf. Caminho, 327) nos encontramos, de repente, quebrando a continuidade de nossa penitência. Seja no jejum (ou abstinência), na oração ou na caridade.
Sucede não poucas vezes que nossa vontade esteja debilitada. E talvez você até retruque: ‘Mas nem sempre é falta de vontade’. Exatamente! Mas devemos lembrar de algo muito importante: Nossa vontade, que deveria buscar o bem a todo instante e momento se encontra desordenada pelo pecado original. O ser humano não perde a sua essência (que é boa), mas se permite vencer pelas concupiscências tantas vezes.
O ser humano não perde a sua essência (que é boa), mas se permite vencer pelas concupiscências tantas vezes.
Já abordamos este assunto algumas vezes, mas reforço com uma citação da Comissão Teológica Internacional:
“A liberdade é o dom divino que permite às pessoas humanas escolher a comunhão que o Deus Trino e Uno lhes oferece como bem supremo. Mas com a liberdade surge também a possibilidade de fracassar no uso da liberdade. Em vez de abraçar o bem último da participação na vida divina, as pessoas humanas podem afastar-se para gozarem dos bens transitórios ou até somente imaginários.”[1]
Fazemos, constantemente, mal-uso de nossa liberdade. Mas não se preocupe! Deus nos conhece e não por acaso assumiu em tudo a natureza humana, exceto no pecado.
Uma vez entendido a reflexão anterior, vamos propriamente à resposta de nossa pergunta. Quebrei minha penitência, e agora?!
A resposta é bem simples: Perseverança.
Partilho com vocês uma bela história (da qual existem inúmeras variações), cuja autoria desconheço, que começa assim:
Um certo dia, um senhor muito curioso perguntou a um monge que vivia a maior parte do tempo em clausura : “Escuta, o que é que vocês fazem lá no mosteiro? O que é que vocês fazem lá dentro?” O monge pensou um pouco e olhando nos olhos do senhor disse: “Lá dentro a gente cai e levanta, a gente cai e levanta, a gente cai, levanta… Ah, e também rezamos bastante, para que no dia que o Senhor voltar tenhamos a sorte de estar de pé.”
… rezamos bastante, para que no dia que o Senhor voltar tenhamos a sorte de estar de pé.
Em um mundo tão exigente e severo, somos empurrados a não aceitar como possível nossas quedas e fracassos. E não me refiro propriamente a aceitar o pecado e erro. Isto jamais. Mas propriamente em aceitar nossa condição debilitada pelo pecado. Na despedida de uma Audiência Geral em 2013, Bento XVI diz que “viver de fé quer dizer reconhecer a grandeza de Deus e aceitar a nossa pequenez, a nossa condição de criaturas, deixando que o Senhor a cumule com o seu amor e assim cresça a nossa verdadeira grandeza.”[2]
Viver de fé quer dizer reconhecer a grandeza de Deus e aceitar a nossa pequenez.
É bem comum – as vezes mais do que imaginamos – tratar algumas coisas de modo absoluto na vida. Ou fazemos tudo ou não fazemos nada. A penitência não deve ser vista desta forma. Ela não é uma promessa atômica (tudo ou nada) que uma vez quebrada não possa ter continuidade. E para entendermos isso mais perfeitamente precisamos compreender a penitência que não se trata de um preceito vazio, mas de uma obrigação de amor e por amor.
A penitência que não se trata de um preceito vazio, mas de uma obrigação de amor e por amor.
Lembremos que a palavra penitência significa conversão e que realizar todas as coisas por amor é o grande segredo de uma vida frutuosa e feliz. A conversão é verdadeiramente uma decisão de querer voltar-se para Deus. Compreender que sem Deus não somos nada. “Converter-se significa procurar Deus, estar com Deus, seguir docilmente os ensinamentos do seu Filho, de Jesus Cristo; converter-se não é um esforço para se auto-realizar a si mesmo, porque o ser humano não é o arquiteto do próprio destino eterno. Não fomos nós que nos fizemos. Por isso a auto-realização é uma contradição e é também demasiado pouco para nós. Temos um destino mais nobre.”[3]
Auto-realização é pouco para nós.
Temos um destino mais nobre.
Temos um destino mais nobre! E é por isto que procuramos com ardor e todo nosso esforço alcançar este destino. Por isto a palavra que melhor cabe no momento da queda é: Perseverança.
Santo Tomás nos diz que “à perseverança em si mesma é próprio fazer–nos persistir até o fim da obra virtuosa”[4] , ou seja, é próprio da perseverança ir ao encontro do bem.
A penitência é uma obrigação para todos os dias da Quaresma, sem exceção. O código de direito canônico nos diz, resguardado a questão das idades, que: “Todos os fiéis, cada qual a seu modo, por lei divina têm obrigação de fazer penitência” (Cânon 1249) e no Câno seguinte “Os dias e tempos de penitência na Igreja universal são todas as sextas-feiras do ano e o tempo da Quaresma”.
É uma obrigação, mas muitas vezes falhamos, o que fazer? Cair e levantar, lembra? Se não conseguimos realizar em um dia, paciência. Vamos buscar retomar amanhã. “Nada te perturbe, nada te espante, tudo passa! Só Deus não muda. A paciência, por fim, tudo alcança.”
Se hoje não deu, coragem! A paciência tudo alcança.
São Paulo exorta a comunidade dos Tessalonicenses a não desanimar de fazer o bem (cf. 2 Ts 3, 13). Acaso o fazer bem poderia ser algo que pudesse ficar de lado em nossas vidas? A penitência é para nós um bem. Veja, por exemplo, as razões antropológicas que justificam o próprio jejum de alimentos.
Portanto, resumo que perseverar é manter-se firme com a finalidade de se alcançar um bem. E qual seria o maior bem que alguém poderia desejar? Deus! E o caminho de conversão (= penitência) é o que nos faz “procurar Deus, estar com Deus”.
O maior bem: Deus. Como alcançar: Penitência. E se cairmos: Perseverança.
[1] Comunhão e Serviço: A pessoa humana criada à imagem de Deus. Comissão Teológia Internacional, 2004.
[2] Audiência Geral de 6 de fevereiro de 2013. Papa Bento XVI.
[3] Audiência Geral na Quarta-feira de Cinzas em 2007. Papa Bento XVI.
[4] Suma Teológica, II-II, q. 137, a.1.