Na minha experiência como católico, parece que as pessoas não costumam tocar no assunto da penitência.
Eu não estou falando sobre o sacramento da Penitência (também conhecido como sacramento da Reconciliação), mas sim sobre o que o Catecismo da Igreja Católica (CIC) chama de “múltiplas formas da penitência”, que marcam o arrependimento e a conversão de coração, como oração, jejum, esmola, serviço, reconhecimento de culpa, aceitação da dor, e outras formas de sacrifício onde unimos nosso sacrifício aos sofrimentos de Cristo (CIC 1434 – 1439, especialmente 1435 e 1438).
Nota: penitência não deve ser confundida com a ideia errônea de que se pode “ganhar” o caminho para o céu. Ao invés disso, é sobre reconhecer que as pessoas podem ofertar seus corações para Deus (manifestando em formas variadas) para “consertar as coisas” na medida em que são capazes – enquanto também respeitam a realidade de que a expiação única de Cristo é completa e suficiente para o mundo todo, do início ao fim dos tempos. A Escritura também é clara sobre a eficácia de juntarmos nosso sofrimento com o d’Ele, pelo bem da salvação (Cl 1,24).
O declínio da popularidade da penitência
Um pensamento que eu tive sobre o motivo da penitência ter caído em esquecimento é porque ela é ligada ao sofrimento. Parece que as pessoas hoje em dia não gostam muito de falar sobre sofrimento, muito menos sobre a ideia de que o sofrimento pode ser abraçado. Por essa razão, faria sentido que conceitos conectados com o sofrimento iriam gradualmente sumir do radar das pessoas. Além disso, em nossa cultura, muitos de nós fomos condicionados a ver Jesus, antes de mais nada, como um caloroso e amigável “cara legal”. Para quem se apega a essa imagem, a ideia de sofrer por Cristo pode parecer ainda mais distante.
Esse Jesus “bonzinho” também se presta à ideia de que “Deus é amor” – o que é verdade – mas, se focado muito estreitamente, isso pode distrair as pessoas de outra verdade igualmente importante: Deus também é justiça. Seguindo essa lógica, todos nós faríamos bem em lembrar que, assim como o amor de Deus é infinito e perfeito, assim também é sua justiça. Não é que a justiça de Deus deva virar nosso único ponto focal, mas sim que não devemos fingir que a justiça, de alguma forma, não faz parte da equação. De fato, a justiça divina é real, e isso importa porque nós teremos que enfrentar isso um dia.
Justiça, Misericórdia e acertando as coisas
A justiça servirá de acordo com o julgamento de Deus baseado em nossas escolhas (aquilo que fizemos e aquilo que falhamos em fazer). Ou seja, a justiça é decretada quando as pessoas pagam o preço adequado pelo que escolheram fazer. Dito isso, contudo, às vezes um juiz justo aplica misericórdia para diminuir a punição que é legalmente devida. Receber tamanha misericórdia é verdadeiramente uma benção. Agora, não seria ótimo se nós pudéssemos fazer alguma coisa para ganhar a benevolência do juiz justo, para que possamos ser beneficiados por sua misericórdia?
Vamos pensar nisso dessa forma: Quando uma criança faz alguma coisa errada, o dever dos pais é pesar a situação o melhor que eles podem, fazer justiça, e aplicar uma consequência apropriada. Mesmo que os pais (eu espero) perdoem seu filho pelo que tenha feito de errado, os pais sabem que se a criança se propusesse a “corrigir a situação” (na medida em que a criança pudesse), isso seria bom para a criança e bom para qualquer relacionamento que tenha sido conturbado. Assim também é conosco em relação a Deus. Quando tentamos fazer o que podemos para “consertar as coisas” (tanto quanto somos capazes) depois de ofendê-Lo, isso é bom para nós. E Deus quer aquilo que é bom para nós.
Como podemos tomar parte?
Todos os dias de nossas vidas, nós podemos fazer escolhas para dar nossos corações e nossas mentes de volta a Deus. É assim que podemos tomar parte no esforço para “corrigir a situação”. Novamente, embora isso possa se manifestar de forma única de pessoa para pessoa, a oportunidade segue a mesma e será sempre assim. Nós podemos tornar essa situação mais digna a nosso favor se escolhermos oferecer nós mesmos dessa maneira, não meramente quando é conveniente a nós, mas quando é difícil ou até mesmo doloroso pensar sobre.
Hoje em dia, a oportunidade de entregarmos nossos corações e mentes para o Senhor está se apresentando de um jeito que não se via há séculos: por meio do cancelamento dos serviços públicos da Igreja (Missa, Liturgia Divina, e outras formas de adoração). Em tempos como esse, antes de mais nada, nós precisamos lembrar que Deus pode usar qualquer situação para a glória d’Ele, até algo tão aparentemente terrível como isso. A realidade é que existe uma potencial benção escondida em tudo isso, que é a seguinte: nós agora temos uma oportunidade de reconhecer um desejo crescente em nossos corações, por Jesus.
Além disso, conforme esse desejo cresce por conta de nosso amor contínuo e crescente por Cristo, torna-se um sofrimento maior não recebê-Lo. E quanto maior o sofrimento que nós experimentamos (e que oferecemos ao Senhor), maior o dom de nosso coração e mente para o Senhor. E quanto maior o dom de nosso coração e mente ao Senhor em meio aos nossos sofrimentos, maior (e mais impactante) a penitência. Isto é, aos olhos de Deus, o Juiz Justo, Ele será capaz de ver que nós estamos nos esforçando para “consertar as coisas” de um jeito mais profundo e Ele usará isso, em sua infinita misericórdia, para o benefício de nossas próprias almas e das almas dos outros, como Ele achar melhor.
Trata-se de priorizar
Pode-se dizer que qualquer coisa que fizermos hoje para tomar parte no esforço em “consertar as coisas” com Deus pelo caminho da penitência, nessa terra, será um esforço valioso. Na verdade, isso já segue o modelo do que sabemos ser bom para nós aqui na terra: nós podemos sempre escolher adiar a gratificação e o conforto agora, em favor de receber uma recompensa maior depois.
Além disso, abraçar o sofrimento (transformá-lo em penitência) seria ainda mais eficaz se não se enraizasse, antes de mais nada, no objetivo de escapar das dores do purgatório, mas sim no objetivo maior de chegar ao céu mais cedo. E chegar ao céu mais cedo (sem que contribuamos para nossas próprias mortes) nos permite não apenas experimentar algum grau da visão beatífica mais cedo, mas também nos permite cooperar com Deus, do céu, mais cedo.
Dessa forma, abraçar a penitência não é meramente algo para nos ajudar a chegar ao céu, mas também um caminho para servir a Deus (e à humanidade) através de nossas vidas terrenas. E é essa cooperação com Deus eternamente adiante, por meio de nossa escolha em oferecer o sofrimento como penitência hoje que levará a infinita alegria que vamos experimentar no céu para um grau ainda mais elevado (porque Deus, que não está sujeito à lei universal, pode fazer esse tipo de coisa).
Ao mesmo tempo, pela divina autoridade e vontade de Deus, e na maneira que Ele quiser, Deus pode ainda conceder àqueles no céu (que agora estão totalmente vivos com Ele) a capacidade e os meios de providenciar serviços de intercessão para o resto dos homens que ainda estão na terra.
Conclusão
Sim, nós deveríamos desejar fazer penitência. Isso impactaria inúmeras pessoas das formas mais profundas e ao longo de um período que ultrapassa, em muito, a gota no tempo que é a duração de nossas vidas terrenas. E por essa perspectiva, nós podemos enxergar que se esforçar para fazer penitência (sem procurar por sofrimento) não deve ser associado com a caricatura do cristão enfadonho da velha guarda, mas sim deve ser associado à virtude da caridade.
E através desse dom da caridade o mundo inteiro talvez se torne o destinatário do amor, da graça e da misericórdia de Deus em um grau ainda maior do que é agora. Em um tempo como esse, talvez o dom caridoso da penitência deveria não só ser desejado, mas também se tornar reconhecido por todos os cristãos mais uma vez como um dos dons mais incríveis que nós podemos oferecer.
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Autor: Hudson Byblow
Hudson Byblow é um autor, palestrante e consultor que apresenta de forma cativante e personalizada, unificando públicos de todas as faixas etárias.
Fonte: Ascension: The Faith Formation Leader.
Traduzido por Guilherme Guimarães de Miranda – Membro da Rede de Missão Campus Fidei, servindo no Núcleo de Tradução e no Núcleo de Música.