Em 29 de setembro de 2015, Dom Thomas J. Olmsted, Bispo de Phoenix, Arizona, publicava uma importante exortação apostólica destinada à sua diocese com o título Firmes na Brecha (Into the Breach). Era um grande apelo aos homens católicos a respeito do papel da virilidade e da paternidade como elementos essenciais da sua identidade cristã. O sucesso desse documento transcendeu os limites da jurisdição canônica do Prelado, atingindo o mundo com as centenas de traduções do texto, originalmente escrito em língua inglesa. Poderíamos nos perguntar o porquê de tamanha repercussão, e é sobre essa questão que gostaríamos de nos deter por alguns instantes.
Apesar de carregar consigo intensas evoluções sociais e tecnológicas, a mudança de época que vivemos também trouxe uma virada paradigmática nos valores morais e éticos da sociedade. Um dos adágios mais ouvidos atualmente se refere à igualdade dos gêneros, onde o termo gênero já não é mais usado como sinônimo de sexo biológico. Por ora, é entendido como aquilo que diferencia socialmente as pessoas, levando em consideração os padrões histórico-culturais atribuídos aos homens e às mulheres. Isso implica dizer que o gênero, na sua interpretação moderna, é mutável, é um papel social, e depende do momento histórico em que a sociedade se encontra. Nesse sentido, quando ouvimos o discurso sobre igualdade de gênero, estamos lidando com o desejo de que o papel social do homem e da mulher seja equiparado na família, no mercado de trabalho e etc. À primeira vista, não parece tão danoso a quem escuta, mas ao fim e ao cabo é um perigoso caminho sem volta.
Não precisamos discorrer longamente sobre o assunto para perceber que a figura masculina foi paulatinamente perdendo a característica de provedor, protetor e defensor da família, como também de referência de força e estabilidade. A defesa dessas características para o homem é muitas vezes considerada machista, assim como, todas e quaisquer opiniões que possam ser um esforço de valorizar esses papéis no homem.
O machismo é sim um pecado e merece ser combatido por todo homem cristão: grosserias e sensualismo não caracterizam um verdadeiro homem cristão. A masculinidade viril comporta em si qualidades como: sensibilidade aos outros, capacidade de autodoação, polidez, gentileza, coragem, força, cortesia, etc. Tudo aquilo que o machista não consegue fazer pela falta de virtudes viris basilares. É interessante observar o exemplo de D. Olmsted a respeito do personagem James Bond, do filme 007, um “machão” típico: “Ele nunca é um pai, tampouco aceita nenhuma responsabilidade pelo amor de uma mulher. Nele vemos um homem cujas relações são superficiais e puramente utilitárias. Com efeito, O personagem de James Bond personifica uma grande ironia. Tem 40 anos e não tem nenhum laço. Na verdade, é patético”. Esse personagem é justamente o que a identidade cristã não pode abarcar, ele é um patético machista.
Um homem católico está acima do machismo. Qualquer exposição de machismo busca segurança na imagem de dureza e falta de emoções. No entanto, trata-se de uma máscara muito fina cobrindo um medo interior aos verdadeiros vínculos com os outros, laços que venham das autênticas relações; e que fazem a vida rica e significativa. Atrás dessa máscara, como qualquer pessoa madura pode ver, está um homem preso em um medo adolescente de vulnerabilidade. Em muitos casos, ele foi ferido e agora repete um ciclo aprendido na infância.
O assunto é tão sério, que poderíamos falar em uma verdadeira despontencialização da figura masculina, sem corrermos o risco de sermos superficiais. Na tentativa de se opor radicalmente ao machismo, surge a não menos débil depreciação da figura masculina. Aqueles valores e virtudes que foram exaltados anteriormente, por ora são tidos como machistas e reforçadores da “desigualdade de gênero”. Para isso, o que se observa recursivamente é uma feminização do comportamento masculino: o vestuário, a vaidade e fragilidade excessiva são alguns dos traços marcantes presentes no que é visto como masculino em nosso tempo.
Entretanto, isso gera um custo social e humano incalculável. Aquele James Bond citado anteriormente, acabou por se tornar cada vez mais o ideal buscado por muitos homens: a mulher assumindo aqueles papéis que comumente eram tidos por masculinos, e assumindo uma dupla responsabilidade fez com o que os homens fossem menos incentivados a serem responsáveis pelos filhos, a serem cada vez mais tragados pelo egoísmo, pela infidelidade, por não precisarem ser verdadeiramente homens e pais. Na feminização do homem, o machismo acabou por ser ainda mais reforçado.
Mas, o documento Firmes na Brecha não pretende elencar apenas as mazelas que enfrentamos nos dias de hoje. Há o anúncio do Evangelho, da verdade perene de Cristo que é capaz de fazer novas todas as coisas.[1] Uma palavra sintetiza a profundidade da paternidade e da virilidade cristã: O SACRIFÍCIO. Sem essa capacidade, a de se auto sacrificar, nenhum homem será capaz de configurar-se ao Cristo. O desenvolvimento da virtude do auto sacrifício exige um grande labor humano e espiritual: vencer os próprios medos, adquirir a capacidade de esquecer-se de si mesmo pelo bem dos mais frágeis, até o limite de dar a própria vida.
Todas essas virtudes permitem que o homem possa viver bem os três amores do homem cristão: o de amigo, o de esposo e o de pai. Sem esses três amores, nenhum homem terá chegado à altura de Cristo.[2]
O AMIGO – Uma masculinidade renovada não será possível sem que os homens primeiro se unam como verdadeiros irmãos e amigos. O papel de uma amizade desinteressada, centrada em Deus, eleva a dignidade daquele que a possui. “Quem possui um amigo fiel, encontrou um tesouro”[3], de sorte que um exemplo de amigo pode forjar muitos valores na vida daquele que desfruta dessa amizade. Uma sólida amizade permite ao homem crescer no amor desinteressado, aquele que contribui para um amor verdadeiramente autêntico.
O ESPOSO – Independentemente do estado de vida que um homem assuma seja o celibato ou matrimônio, os homens jovens devem se preparar para o casamento antes mesmo de saber quem será sua noiva (seja ela a própria Igreja ou a mulher, mãe de seus filhos). Esse treinamento em sacrifício consiste em amar a sua noiva antes de conhecê-la; para que um dia eles possam dizer “antes de te conhecer, eu já te era fiel”. Outro aspecto, a separação entre a unidade e fertilidade, promovida pela revolução sexual, produziu grandes problemas – dentre eles, o filho que antes era visto como dom, passou a ser visto como um intruso, um mal a ser combatido, por sua vez, o aborto passou lamentavelmente a ser defendido como direito.
Para o homem chamado ao amor conjugal, o autodomínio encontra o seu ponto culminante na virtude da castidade. Precisamos ver castidade masculina pelo que ela é. Frequentemente esta virtude é vista em uma luz negativa, como algo débil. Isto não poderia estar mais longe da verdade. A castidade é força e uma rejeição à escravidão das paixões. Os cristãos sempre acreditaram que a castidade, no casamento e no celibato, é uma libertação da escravidão do pecado e de nossas paixões. Ela não castra o homem, ao contrário, forja nele a capacidade do amor de modo exclusivo, fiel, total e fecundo.[4]A virtude da castidade é a integração bem-sucedida da sexualidade na pessoa e, por ela, na unidade interior do homem em seu ser corporal e espiritual.
O PAI– A paternidade compreendida na sua totalidade é essencial para compreensão do papel do homem. A principal estratégia de Satanás é eliminar a paternidade humana, em que cada um de nós vê as primeiras luzes do que é a paternidade de Deus. A paternidade humana é reflexo da paternidade divina, o que pecado original provocou esse rompimento. Coloco aqui, literalmente, o texto apresentado por D. Olmsted:
“Homens, sua presença e missão na família é insubstituível; despertem e com amor retomem o seu lugar, dado por Deus, como protetores, provedores e líderes espirituais de seu lar. O papel de um pai como chefe espiritual da família nunca deve ser entendido ou tomado como um domínio, mas, sim, como uma liderança amorosa e orientação carinhosa daqueles sob seus cuidados. Sua paternidade, minha paternidade, à sua maneira escondida e humilde, reflete de maneira imperfeita, mas segura, a Paternidade de Deus Pai para aqueles que Deus nos deu para ser seus pais. O que significa ser “pai”? Papa Francisco, em uma reflexão sobre a paternidade disse: “Quando um homem não tem esse desejo, algo está faltando neste homem, algo aconteceu. Todos nós, para sermos plenos, para sermos maduros, precisamos sentir a alegria da paternidade: até mesmo nós, celibatários. A paternidade é dar vida aos demais, dar a vida, dar a vida”.[5]Se vocês não abraçam a vocação de esposo e paterna que Deus planejou para você, vocês estarão presos na impotência da “semente” que se recusa a morrer, que se recusa a dar a vida. Não se conformem com uma vida pela metade! Sejam pais. A pergunta para um homem não é “Eu sou chamado a ser pai?”, mas, sim, “Que tipo de pai sou chamado a ser?”
Com essas considerações fica claro que sem essa cruzada pela virilidade e paternidade será impossível forjar um homem cristão, como observa São Josemaria: “Há uma necessidade de uma cruzada de virilidade e de pureza para neutralizar e anular o trabalho selvagem daqueles que pensam que o homem é uma besta. E essa cruzada é o seu trabalho”.[6] É o papel dos homens cristãos, a partir de seu testemunho, mostrar a todos os outros o rosto do homem perfeito, Jesus Cristo, Nosso Senhor.
[1] Ap 21, 5
[2] Ef 4, 13
[3] Eclo 6, 14
[4] HV, n.9
[5] Papa Francisco – Homilia de 26 de Junho 2013
[6] São Josemaria Escrivá – Caminho, 121
AUTOR: Áderson Miranda (3º ano de Teologia – Seminário Maior Nossa Senhora de Fátima – Arquidiocese de Brasília)
FONTE: Pastores Dabos Vobis