Quinta-feira Santa: Da antiga aliança à nova

De acordo com o Catecismo da Igreja Católica, “segundo um velho adágio, o Novo Testamento está oculto no Antigo, enquanto o Antigo é desvendado no Novo” (CIC, 129). As leituras da Quinta-feira Santa demonstram isso de forma poderosa, destacando temas de sacrifício, ação de graças e caridade.

Na Quinta-feira Santa, a Igreja comemora a Última Ceia, que inclui a instituição da Eucaristia e do sacerdócio. A primeira leitura, instruções para a primeira Páscoa, é retirada do Êxodo. O salmo responsorial, retirado de um salmo usado para ação de graças, é entrelaçado com uma resposta retirada de São Paulo em Coríntios 1: “Nosso cálice de benção é uma comunhão com o sangue de Cristo”. A segunda leitura é retirada diretamente da segunda carta de São Paulo aos Coríntios. Nela, nós lemos: “Este cálice é a nova Aliança em meu sangue; todas as vezes que dele beberdes, fazei-o em memória de mim” (1 Cor 11, 25). O Evangelho, que nos diz como Jesus lavou os pés dos discípulos na Última Ceia, é retirado do Evangelho de João.

Um chamado ao sacrifício

A segunda leitura, retirada de Coríntios 1, que foi escrita por volta do ano 53, é o mais antigo relato escrito da instituição da Eucaristia na bíblia. O primeiro Evangelho provavelmente ainda não tinha sido escrito. Como São Paulo na segunda leitura, a nova aliança está escrita no sangue de Cristo. Os participantes compartilham da nova aliança por meio do cálice. O termo grego para lembrança, anamnesis (memória), está associado, na bíblia grega, à observância litúrgica, eficaz para trazer o participante ao mistério. Jesus aqui, apenas com os 12 discípulos presentes, dá um comando para passarem adiante uma prática tradicional: “Faça”. O sacerdócio é instituído juntamente com o sacramento de seu corpo e sangue. Esse momento também faz da morte de Cristo um sacrifício por nós e não meramente uma execução ou um evento infeliz.

Papa Bento XVI ensinou em uma homilia da Quinta-feira Santa de 2007: “Assim, Ele antecipou sua morte de uma maneira consistente com suas palavras: ‘Ninguém a tira de mim [a vida], mas eu a dou livremente’ (Jo 10, 18). No momento em que Ele ofereceu seu corpo e seu sangue aos discípulos, Ele estava verdadeiramente cumprindo essa afirmação. Ele próprio ofereceu sua vida. Apenas assim a antiga Páscoa adquiriu seu verdadeiro significado.”

De fato, a Igreja fornece interpretação para nós ao colocar a narrativa da Páscoa do Livro do Êxodo como a primeira leitura da Quinta-feira Santa. Nela, nós lemos que Deus deveria trazer julgamento sobre o Egito, “derrubando todo primogênito da terra”. Os hebreus seriam poupados, se fizessem como o Senhor ordenou. Eles devem levar um cordeiro “sem defeito… e então, com toda a assembleia de Israel presente, deveriam abatê-lo durante o crepúsculo da tarde”. Portanto, esse foi um ato litúrgico, anunciando o puro e sem pecado Cordeiro de Deus.

Ainda não havia sacerdócio levítico – apenas o sacerdócio do primogênito de cada família. Para serem poupados, todos deveriam “participar do cordeiro”. Eles também deveriam cobrir seus “umbrais e o lintel de cada casa” com seu sangue. Da mesma forma, participamos da Eucaristia e, no batismo, somos cobertos com o Sangue de Cristo. A aparência do pão, e especialmente da hóstia chata, é tirada do pão sem fermento que eles foram ordenados a comer, pois deveriam fugir a pé, não tendo tempo para deixar o pão crescer. Da mesma forma, aqueles que participam da Eucaristia são viajantes em uma jornada para a Terra Prometida.

A Páscoa deveria ser um memorial litúrgico eterno. Nós lemos: “Este dia será para vós um memorial, e o celebrarei como uma festa para Iahweh; nas vossas gerações a festejareis; é um decreto perpétuo.” (Ex 12, 14). Para o papa Bento, a Eucaristia perpetua a Páscoa por todo o tempo. Ele ensina “isso vive para sempre na Santíssima Eucaristia, na qual, ao longo dos tempos, podemos celebrar a nova Páscoa com os apóstolos.”

Um chamado à Ação de Graças

O sacrifício de Cristo é o sacrifício derradeiro. Todos os sacrifícios do Antigo Testamento encontram sua completude nele. O salmo responsorial destaca outro tipo de sacrifício do Antigo Testamento – o todah, ou ação de graças. Os versos são retirados do salmo 116, mas a resposta é retirada do Novo Testamento (1 Cor 10). É um movimento bastante raro, mas claro, no Lecionário, incorporar versículos do Novo Testamento no Salmo responsorial. Isso interpreta o Salmo em uma mentalidade neotestamentária.

O salmo 116 é um salmo que era comumente usado para o todah, ou ação de graças, que era prescrito em Levítico. Nós escutamos no salmo “A Ti oferecerei sacrifício de ação de graças”. Na oferta de agradecimento, uma pessoa aflita clamaria ao Senhor e prometeria oferecer o sacrifício de ação de graças em resposta à sua oração. Assim ouvimos,

Que poderei retribuir ao Senhor

por todo o bem que ele fez em meu favor?

Elevarei o cálice da salvação,

e invocarei o nome do Senhor.

Um chamado à Caridade

A pessoa então oferecia um cordeiro para ser sacrificado, mas deveria ser completamente comido antes do nascer do sol. Para isso, convidava os pobres para o banquete, para terminar o cordeiro. Tanto o pão fermentado como o ázimo e o vinho também eram oferecidos como parte do banquete e do sacrifício. Ao contrário do holocausto, no qual toda a carne deveria ser oferecida em fumaça a Deus, apenas uma parte da carne deveria ser destruída dessa maneira na oferta de agradecimento. Assim, esta era uma ‘comunhão’ – uma refeição compartilhada entre Deus e o povo de Deus. Havia uma dimensão comunitária, uma vez que a pessoa que fazia o sacrifício deveria convidar outros a participar do banquete em ação de graças pelo que o Senhor havia feito. Isso encorajaria a disposição interna correta na pessoa para ter um coração como Deus, compartilhando com os menos afortunados em resposta à misericórdia de Deus sobre ela. Assim ouvimos: “Cumprirei a Iahweh os meus votos, na presença de todo o seu povo!” (Sl 116, 18).

O Lecionário interpreta para nós a conexão com Cristo através da resposta do povo: “O nosso cálice é uma comunhão com o Sangue de Cristo”. Observe também o significado literal da Eucaristia, que é ação de graças. Lemos na segunda leitura de 1 Coríntios: “todas as vezes que dele beberdes, fazei-o em memória de mim”. Então São Paulo explica: “Todas as vezes que você come este pão e bebe o cálice, você anuncia a morte do Senhor até que ele venha”. Oferecemos a Eucaristia em ação de graças pelo que Cristo já realizou de uma vez por todas. Um novo sacrifício distinto do primeiro sacrifício por parte de Cristo não é feito. O que se acrescenta é para nossa participação nesse sacrifício e também nosso sincero agradecimento e gratidão pelo que Cristo fez ao abrir para nós os portões do céu através do derramamento de seu sangue.

A leitura do Evangelho é tirada de João, que é o único Evangelho que não inclui a instituição da Eucaristia. Em vez disso, João passa quatro capítulos detalhando o discurso da Última Ceia. Esta foi a formação final para o ministério dos primeiros sacerdotes da Nova Aliança. Jesus lavou os pés dos apóstolos, assumindo o papel tipicamente dado ao servo. Em seguida, Ele explica, mostrando a natureza sacrificial da liderança na Nova Aliança: “Vós me chamais Mestre e Senhor e dizeis bem, pois eu o sou. Se, portanto, eu, o Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também deveis lavar-vos os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, também vós o façais” (Jo 13, 34-35).

Participar da Eucaristia é um ato de ação de graças e de participação no sacrifício que Cristo ofereceu. Mas é também a energia para uma vida de doação. Como escreveu o Papa Bento XVI em Deus Caritas Est, “uma Eucaristia que não passa à prática concreta do amor é intrinsecamente fragmentada” (n. 14). Assim, as leituras da Quinta-feira Santa nos movem ao sacrifício, à ação de graças e à caridade, tanto na liturgia eucarística como também em nossa vida.

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Autor: Michael Ruszala 

Michael J. Ruszala é autor de vários livros religiosos e possui um M.A. em Teologia e Ministério Cristão e um B.A. em Filosofia e Teologia summa cum laude pela Franciscan University of Steubenville.

Fonte: AscensionPress

Traduzido por Guilherme Guimarães de Miranda – Membro da Rede de Missão Campus Fidei, servindo no Núcleo de Comunicação, além de atualmente participante do Grupo de Estudo DATING em Brasília – DF.

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