Há algo sobre a santidade que deve estar escondido.
São Paulo sugere isso em Colossenses 3, 3, quando ele escreve: “Porque estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus”.
O próprio Jesus nos aconselha a sermos “discretos” em nossas orações:
Quando orardes, não façais como os hipócritas, que gostam de orar de pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade eu vos digo: já receberam sua recompensa. Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto, te recompensará. Nas vossas orações, não multipliqueis as palavras, como fazem os pagãos que julgam que serão ouvidos à força de palavras. Não os imiteis, porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes que vós lho peçais (Mt 6, 5-8).
Isso se aplica inclusive aos atos de caridade que praticamos, nos quais nosso amor por Deus, demonstrado na oração, desemboca no amor ao nosso próximo: “Quando deres esmola, que tua mão esquerda não saiba o que fez a direita. Assim, a tua esmola se fará em segredo; e teu Pai, que vê o escondido, irá recompensar-te” (Mt 6, 3-4).
A palavra em grego aqui utilizada para segredo é kryptō – é a mesma palavra traduzida como escondida no trecho citado de Colossenses. Em inglês, existe a palavra criptografia, que é a ciência de decifrar códigos secretos; cripta, que se refere à câmara funerária em que o corpo é “escondido”; e críptico, que Merriam-Webster define como algo escondido, misterioso ou ambíguo.
Ser escondido e santo
Para aqueles que aspiram à santidade, o aspecto do escondido parece ser o mais adequado. É porque viver escondido caminha de mãos dadas com a humildade. O homem orgulhoso é o oposto disso: ele tem uma necessidade compulsiva de se gabar por todas as suas conquistas e atributos – e almeja a bajulação e a fama em meio às outras pessoas. Uma pessoa escondida, pelo contrário, silenciosamente leva adiante seus negócios, de cabeça baixa, focada na simples tarefa do momento. Para eles, a humildade não é apenas uma atitude ou disposição interior, e sim um estado de vida.
Sabemos que a humildade é essencial para a santidade porque é só através da humilhação de nós mesmos que somos elevados ao céu. No orgulho, entretanto, fazemos de nós mesmos nossos próprios deuses. Assim, fechamo-nos à possibilidade de que Deus entre em nossas vidas. Só a pessoa humilde é pequena o suficiente para reconhecer a grandeza de Deus.
Mas o escondimento também pode nos levar até Deus de outra forma. Deus, em seu ser, é invisível. Talvez, então, para estarmos juntos do Deus invisível, precisamos também nós sermos invisíveis.
O outro lado da santidade: deixar nossa luz brilhar
Aí vem algo que parece embaralhar tudo isso: somos chamados a vivermos escondidos com Deus, mas Jesus também diz que “nossa luz precisa brilhar”:
Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre uma montanha, nem se acende uma luz para colocá-la debaixo do alqueire, mas sim para colocá-la sobre o candeeiro, a fim de que brilhe a todos os que estão em casa. Assim, brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus (Mt 5, 14-16).
Mais uma vez, a palavra escondido aqui utilizada é uma tradução da palavra grega kryptō. Contudo, aqui Jesus parece estar mandando que façamos o oposto do que ele recomendou em outro lugar no Novo Testamento: não esconder sua fé, mas deixá-la brilhar, levando os outros a Deus.
O que faz, novamente, muito sentido. O cristianismo é público. Jesus rezava e realizava milagres publicamente. Ele foi crucificado em público, e seu Corpo ressuscitado apareceu a centenas de pessoas. O cristianismo não é gnosticismo – não é um conhecimento secreto reservado apenas a algumas pessoas. Não é um culto misterioso em que apenas alguns seletos são admitidos.
O paradoxo da santidade
Deparamo-nos com um paradoxo. Por um lado, é evidente que o caminho para a santidade é a via do escondimento. Por outro, devemos ser tão radiantes com o amor de Deus para que os outros vejam e sejam atraídos por essa luz.
Então, o que fazer? Devemos escolher um desses dois? As Escrituras estão contradizendo a si mesmas?
A resposta, creio eu, é que a santidade passa por esses dois sentidos – sermos escondidos e altamente visíveis ao mesmo tempo.
Essa realidade é melhor explicada pelo conceito bíblico de mistério: é algo que é escondido, mas que também é revelado. É assim que São Paulo fala sobre mistérios em suas epístolas. Em Colossenses 1, 25-26, o apóstolo diz que sua missão especial dada por Deus é proclamar a palavra de Deus, a qual ele descreve como sendo “o mistério escondido desde a origem às gerações passadas”. Em 1 Coríntios 2, 1, ele é mais direto, dizendo que ele veio para “proclamar o mistério de Deus”.
Esses palavras parecem uma contradição. Como alguém pode proclamar um mistério? Um mistério proclamado parece não ser mais um mistério. Mas isso é, na verdade, um elemento essencial do mistério. De modo paradoxal, o mistério depende de algum conhecimento a respeito dele – de outra forma, não saberíamos que eles são mistérios, em primeiro lugar. O desaparecimento da aviadora Amelia Earhart é um mistério porque sabemos que ela desapareceu enquanto tentava voar ao redor do mundo – esse conhecimento se baseia no fato de que ela existia e de que a vimos decolar. Essa é uma realidade visível, tangível, do mistério.
A vida é um mistério porque, mesmo que as ultrassonografias nos mostrem o bebê no útero, a criação da alma – que se dá no momento da concepção – sempre será invisível para nós, não importa quão sofisticadas as ultrassonografias se tornem.
O fim último da realidade física também é um mistério para nós. Sabemos que está lá porque podemos ver o mundo visível ao nosso redor – nossa pele, nossos móveis, as casas, as árvores, a grama e o céu azul, e as nuvens acima de nós. Sabemos que dentro das moléculas existem átomos, e que no centro dos átomos existe um núcleo com prótons e nêutrons – que são compostos por quarks. Para além disso, não temos tanta certeza.
Deus, em si mesmo, é o derradeiro mistério – ou, nas palavras do teólogo Karl Rahner – “absoluto mistério”. Não podemos ver Deus, ainda que Suas obras estejam ao nosso redor. Como São Paulo escreve: “Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis à inteligência, por suas obras; de modo que não se podem escusar” (Rm 1, 20).
Essa dualidade – a simultaneidade entre a visibilidade e a invisibilidade de Deus – é radicalmente reafirmada na Encarnação, por meio da qual Deus assume a plenitude da natureza humana, ao mesmo tempo em que mantém a plenitude de Sua divindade, escondida e invisível. A própria realidade da Encarnação foi intensificada na Cruz, onde o Deus feito Homem deixou essa terra e peregrinou para a terra dos mortos para retornar, radiante, na ressurreição.
Também na Eucaristia, hoje, Jesus é visível e escondido ao mesmo tempo que escondido além do alcance dos nossos sentidos.
Há algo de convidativo no mistério. Ele nos mostra o suficiente para que queiramos nos aproximar. Sabemos que há algo lá que nos atrai, irresistivelmente, para si. Na cruz, Jesus nos mostrou um amor que vai para além deste mundo. Estava à disposição para que todos vissem, e também permanecia oculto. Para aqueles que verdadeiramente conhecem Jesus, a Cruz se torna um convite: escondemo-nos em Suas chagas, como diz aquela oração antiga, para que nos aproximemos ao seu Sagrado Coração, que bate dentro delas.
Deve acontecer conosco da mesma forma como é com Deus. Somos chamados ao esplendor da santidade, de modo que aqueles que vislumbrem essa luz, mesmo que de longe, aproximem-se o suficiente para contemplar, dentro de nós, as chamas do amor divino.
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Autor: Stephen Beale
Criado como um protestante, converteu-se ao Catolicismo. Suas áreas de interesse são Páscoa Cristã, Mariologia, Teologia Eucarística e os Santos.
Fonte: Catholic Exchange
Traduzido por Tiago Veronesi Giacone – membro da Rede de Missão do YOUCAT BRASIL, servindo nos Núcleos de Tradução, Formação e também participante do Grupo de Estudo YOUFAMILY em Brasília – DF.