Há um grande mal-entendido na cultura no sentido de o catolicismo ser contra a ciência. Muitos estudantes universitários são confrontados com esse erro quando encontram o reducionismo, o racionalismo e o materialismo por meio de seus professores. Esses estudantes não sabem como responder – e com muita frequência – passam a desprezar o catolicismo porque não sabem que existem respostas para as suas perguntas dentro da Igreja de 2 mil anos de história. Uma das maiores causas de confusão se relaciona ao tema da evolução.
Há duas razões para essa confusão. Primeiramente, muitos católicos desconhecem a posição da Igreja acerca da evolução e nem procuram por respostas antes de aceitar o posicionamento materialista. Em segundo lugar, o abandono da filosofia enquanto disciplina promotora da união entre ciência e teologia destruiu grande parte do diálogo existente entre essas duas áreas durante os séculos. Um exemplo é a relação criada pelo argumento da causa primeira de São Tomás de Aquino. O argumento da causa primeira fundamenta a investigação científica na primeira causa, que é Deus. Sem esse argumento, a ciência rapidamente se degenera em materialismo e não olha mais para além de si mesma.
O divórcio da filosofia cria um ambiente em que tanto a teologia quanto as ciências naturais ultrapassam seus limites. Isso é evidenciado pela declaração materialista-racionalista de que não há Deus, ao mesmo tempo em que aqueles que leem a Bíblia de forma literal dizem que o mundo tem apenas 6 mil anos de idade, ainda que a razão dada a nós por Deus não diga isso. Respostas às complexidades da vida são reduzidas apenas a nível material ou transformadas por um sistema baseado numa fé desprovida de razão. A abordagem católica não é um sistema “ou um ou outro”, mas “ambos”. Nós dizemos “sim” às descobertas científicas, “sim” a Tomás de Aquino e Aristóteles e “sim” ao Livro do Gênesis. São muito mais respostas positivas do que recebemos tanto do campo cientificista quanto do criacionista. Quero, neste artigo, fornecer uma imagem sobre a visão da Igreja acerca da evolução, mas retornarei à questão da filosofia mais tarde.
Hoje, irei rapidamente sublinhar a posição histórica da Igreja a respeito da evolução através de uma série de documentos e discursos proferidos pelos Papas nos últimos 66 anos. Primeiro, é importante entender que a Igreja não faz pronunciamentos oficiais em matérias científicas. Isso não compete à sua autoridade. Ela promulga ensinamentos de fé dados a nós por meio das Sagradas Escrituras e da Sagrada Tradição. Ela não pode ultrapassar seus limites e fazer julgamentos em matéria de ciência. A única situação em que ela formalmente responde a questões científicas é quando estão envolvidos assuntos teológicos ou espirituais. Papas e teólogos discutem as descobertas científicas, mas a Igreja não tem uma posição oficial sobre qualquer teoria científica. Isso nos leva à primeira discussão da Igreja acerca da evolução.
Humani Generis: A Igreja formalmente fala sobre a evolução pela primeira vez
Em 1950, o Papa Pio XII disponibilizou a encíclica Humani Generis, a qual aborda várias tendências intelectuais em matéria de ciência, filosofia e teologia. A teoria da evolução de Darwin já tinha quase 100 anos e claramente influenciava todas as disciplinas das ciências naturais. A Humani Generis demonstrava a posição adotada pela Igreja nesses 100 anos, mas que ainda não havia sido formalmente reconhecida até a sua promulgação. A evolução do corpo e da natureza não contradiz a doutrina católica, desde que ela se assente no pressuposto de que Deus é a causa primeira do universo.
Por isso, o magistério da Igreja não proíbe que, nas investigações e disputas entre homens doutos de ambos os campos, se trate da doutrina do evolucionismo, que busca a origem do corpo humano em matéria viva preexistente (pois a fé nos obriga a reter que as almas são diretamente criadas por Deus), segundo o estágio atual das ciências humanas e da sagrada teologia, de modo que as razões de uma e outra opinião, isto é, dos que defendem ou impugnam tal doutrina, sejam ponderadas e julgadas com a devida gravidade, moderação e comedimento, contanto que todos estejam dispostos a obedecer ao ditame da Igreja, a quem Cristo conferiu o encargo de interpretar autenticamente as Sagradas Escrituras e de defender os dogmas da fé (Humani Generis, 36).
A Humani Generis tratou de dois assuntos nessa seção. Primeiro, nunca pode haver uma evolução da alma, porque ela é criada por Deus como sua causa primeira. Como a alma é imaterial, não pode evoluir como as coisas materiais do universo podem. Isso significa que as faculdades da alma – intelecto e vontade – não evoluem como o corpo evolui. A Igreja tem uma clara obrigação de esclarecer essa posição para o Corpo Místico e o mundo.
Segundo, a Igreja quer deixar claro que ninguém é obrigado a se submeter à teoria evolucionista e que deve ocorrer um diálogo aberto e fundamentado entre as pessoas sobre esse assunto. Cada membro da Igreja pode concordar ou discordar dos vários aspectos da teoria evolucionista, mas a Igreja também rejeita de imediato uma interpretação excessivamente literal do Gênesis, como se fosse um livro de ciência.
Por que a Igreja é aberta à possibilidade da evolução?
A Igreja não presume limitar o poder criador, a vontade e o objetivo de Deus. A própria Igreja assevera que Deus age primariamente por meio de causas secundárias (assim como um antibiótico que cura uma infecção). É por isso que as causas de canonização exigem um processo tão rigoroso e científico. Deus raramente age como causa primeira ao curar uma pessoa ou por outras intervenções diretas na ordem natural. Se se descobre que Deus foi a causa primeira de algo, depois de uma rigorosa investigação científica, então estamos diante de um milagre. A Igreja reconhece a ordem natural que Deus criou, inclusive os poderes e as potencialidades que existem na natureza.
O uso de causas intermediárias (ou secundárias) não indica um Deus que é menos inteligente e poderoso do que alguém que faria as coisas diretamente, mas indica um Deus que é mais inteligente e poderoso. Fazer com que seres não-inteligentes participem da produção do mundo é algo mais difícil do que fazer as coisas Ele mesmo – alguém tem que elaborar os instrumentos (os elementos) de tal modo que eles possam cumprir osuas tarefas… fazer as coisas não apenas para “ser”, mas para “causar”, mostra maior poder (Christopher T. Baglow, Faith, Reason & Science: Theology on the Cutting Edge, citando Marie George, 179-180).
São João Paulo II sobre a Evolução
Em 1986, São João Paulo II retomou a Humani Generis enquanto novas descobertas científicas surgiam. Tornou-se cada vez mais evidente, graças a pesquisas multidisciplinares – não apenas na área da biologia – que a evolução prova ser mais do que uma hipótese em numerosos casos. Enquanto muitos no âmbito científico podem ser impacientes com a atitude cautelosa da Igreja, os cientistas precisam se lembrar que a Igreja vive de acordo com a virtude da prudência. Por exemplo, a Igreja levou centenas de anos até formalmente esclarecer sua Cristologia. Além disso, a Igreja nunca irá formular declarações formais sobre a validade da evolução. Isso não significa que a Igreja não se envolve em estudos científicos e em debates sobre diversos assuntos. São João Paulo II continua a discussão sobre a evolução:
Não há dificuldade em explicar a origem do homem em relação ao seu corpo através da teoria evolucionista. De acordo com a hipótese mencionada, é possível que o corpo humano, seguindo a ordem designada pelo Criador das energias da vida, foi sendo gradualmente preparado na forma de seres vivos antecedentes (isto é, seres vivos existentes antes da humanidade). (João Paulo II, Humans are Spiritual and Corporeal Beings, Abril 16, 1986).
Em 1996, João Paulo II falou à Pontifícia Academia de Ciências sobre o tema da evolução, afirmando que novas descobertas científicas “levam-nos a reconhecer que a evolução é mais do que uma hipótese”.
As limitações da teoria evolucionista
Ainda que esse seja o caso, não podemos chegar à conclusão de que a evolução é a resposta para todas as coisas, o que é a crença errônea de muitas pessoas atualmente. Papa Bento XVI disse em 2007:
Mas a doutrina da evolução não responde todas as coisas e não responde a maior pergunta filosófica: De onde tudo veio? E como todas as coisas tomam um caminho que, ao fim, apontam para a pessoa? Parece-me muito importante que a razão avance ainda mais, que descubra ainda mais coisas (sobre a evolução), mas que também veja que essas informações não são suficientes para explicar toda a realidade. (Pontiff: Evolution Does Not Exclude a Creater, em Zenit: The World Seen from Rome Daily Dispatch, 27 de julho, 2001).
A evolução é uma teoria de grande valor em explicar como Deus se utiliza de causas secundárias no universo. A ciência é um bem que deve ser buscado e Deus nos deu razão para que possamos conhecê-Lo através da beleza, do maravilhamento, da inteligência e da grandeza de Sua Criação. As ciências naturais, contudo, não nos dizem tudo que devemos saber sobre a ordem natural das coisas. A ciência não pode abordar questões relacionadas às realidades imateriais ou espirituais do homem e de Deus. A ciência nunca pode penetrar no nível ontológico da humanidade. É por isso que a filosofia e a teologia são importantes. A filosofia e a teologia nos ajudam a entender Deus, os seres humanos, o universo e a escatologia num nível mais profundo de fé guiada pela razão.
A Igreja caminha na via central. Ela sempre caminha nessa via e é por isso que ela é ridicularizada por ambos os lados durante a maioria das batalhas. A Igreja nos ensina que Deus é a causa primeira do universo. Ele quis que a Criação fosse um ato gratuito de caridade. Ele é o próprio “ser”. Homens e mulheres são materiais e imateriais, “espíritos encarnados”, como diz São Tomás de Aquino. O corpo pode ter sido produzido por Deus através da evolução, mas as almas não evoluem. A alma é criada por Deus enquanto causa primeira.
É importante lembrar que fé e razão devem sempre ser ordenadas à verdade. Isso significa que nenhuma descoberta científica pode contradizer os ensinamentos da fé. Quando compreendemos essa realidade, vivemos em liberdade, não em medo ou confusão. Também é importante olhar para as respostas da Igreja em vez de imaginar que elas não existem. Esse tipo de mentalidade é uma forma de preguiça intelectual que deve ser descartada. Como católicos, temos a obrigação de procurar respostas quando surgem perguntas. A busca da verdade é própria do coração, daquilo que significa ser humano.
Essa é uma pequena introdução do tema da evolução e a Igreja. Espero que leve as pessoas a examinarem o relacionamento entre catolicismo e ciência mais de perto. A Igreja Católica é o lugar em que ciência, filosofia e teologia convergem enquanto a humanidade continua seu caminho em direção à verdade, que é o Deus Trino.
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Autor: Constante T. Hull
Constance T. Hull é esposa, mãe, homeschooler e graduada em Teologia com ênfase em Filosofia.
Fonte: Catholic Exchange
Traduzido por Tiago Veronesi Giacone – membro da Rede de Missão do Campus Fidei, servindo nos Núcleos de Tradução, Formação e também participante do Grupo de Estudo YOUFAMILY em Brasília – DF