
Alguma vez você já parou para refletir sobre a forma como Deus se utiliza para conversar com você?
Me fiz esse questionamento algumas vezes e cheguei à conclusão de que há 5 anos Deus tem falado comigo, de forma mais evidente e frequente, por meio de palavras escritas.
Nos anos de 2023 e 2024, participava do Clube de Leitura da Rede de Missão Campus Fidei, oportunidade na qual partilhamos quatro obras de J. R. R. Tolkien (O Hobbit e a trilogia do Senhor dos Anéis). Muitas foram as falas que me oportunizaram ter uma experiência com Deus, mas queria partilhar especificamente uma frase lida dias antes de embarcar em uma aventura rumo à Jornada Mundial da Juventude (JMJ) de Lisboa: “(…) que tenhas a alegria da visão”.
O grupo do qual fazia parte foi à JMJ com a missão de evangelizar, por intermédio de um projeto literário que tinha como foco duas obras: O Hobbit, de J. R. R. Tolkien, e A Divina Comédia, de Dante Alighieri. Uma de nossas programações era a apresentação de uma peça, na qual eu me caracterizei de Santa Luzia, a santa protetora da visão e dos olhos (salve essa informação, depois ela fará sentido).
Tomar a decisão de participar da JMJ foi uma atitude, de certa forma, inesperada e ousada, afinal faltavam menos de dois meses para a viagem acontecer. Dei um passo (vários passos) na fé, coloquei as mãos à obra e, graças a Deus e à ajuda de corações generosos, a Divina Providência atuou de forma surpreendente ao ponto de eu embarcar nessa aventura tendo tudo o que precisava (um pouco mais sobre essa experiência foi partilhada no texto “Hoje é o último dia do mês mariano, peça uma graça…”).
Apesar de poder contemplar as maravilhas que “Senhor havia feito em meu favor” (Lc 1, 49), percebi que uma certa “angústia” começou a tomar conta do meu coração. Algo no sentido de ter “medo da graça que passa sem que eu perceba!”, como diria Santo Agostinho, pois estava claro que Deus queria me mostrar ou dizer algo a partir daquela experiência. Foi nesse contexto que me deparei com a frase citada anteriormente: “(…) que tenhas a alegria da visão”, passando assim a ser minha oração.
Comecei a suplicar a Deus que me “desse a alegria da visão, a alegria de poder enxergar aquilo que Ele queria me mostrar” e meu pedido foi atendido. Eu tive a alegria da visão – novamente, Deus se utilizou das palavras!
Santa Teresinha dizia que “os planos de Deus sempre são maiores e melhores do que podemos imaginar”.
Em 2023 eu pedia para ter a “alegria da visão”, mas aquela oração estava ligada a um aspecto mais espiritual. A verdade é que eu não fazia ideia de que dois anos depois eu literalmente teria essa alegria.
Usava óculos desde os meus 7 anos, da hora que acordava à hora que ia dormir. Uma das lembranças da infância que carrego mais nítidas na memória é do dia em que os usei pela primeira vez. Era um lindo fim de tarde, havia chegado do colégio e recebi um telefonema da minha avó materna, que queria saber como estava me sentido com aquela novidade. Minha resposta para ela foi: “Vó, hoje é o dia mais feliz da minha vida!”. A Letícia de 7 anos fazia essa afirmação devido ao brilho conferido às coisas, devido à nitidez proporcionada por aquelas lentes.
Os anos se passaram e usar óculos já não era tão emocionante assim, quem dirá depender deles para tudo. Com isso, surge o desejo de realizar a cirurgia refrativa (procedimento cirúrgico que visa corrigir erros de refração, como miopia, hipermetropia e astigmatismo, permitindo que a luz seja focalizada corretamente na retina, corrigindo problemas de visão).
Neste ano (2025), o sonho que carregava há mais de 10 anos se tornou realidade. Realizei minha cirurgia no dia 14 de maio, no dia de São Matias e sob a intercessão de um time de amigos do céu, dentre eles estava Santa Luzia (mas é claro que não poderia deixar de pedir a intercessão da santa que, de certa forma, havia se antecipado e começado a interceder por mim).
“Que tenhas a alegria da visão”, foi essa a frase que veio à minha mente quando cheguei em casa, pouco tempo após realizar o procedimento cirúrgico. No dia 14 de maio de 2025, tudo ficou nítido novamente, mas agora de uma maneira diferente: eu não tinha auxílio de qualquer tipo de lente. A mulher de 29 anos se vê tomada pela mesma alegria genuína que sentiu quando tinha seus 7 anos, como se vivesse um déjà vu: “hoje é o dia mais feliz da minha vida!”.
Ter a alegria da visão nunca foi algo tão literal e tão emocionante. Não pude conter as lágrimas quando, minutos depois da cirurgia, eu me dei conta de que conseguia ler as coisas que antes não eram possíveis sem o auxílio de um artefato.
Espero nunca esquecer o dia seguinte à cirurgia, o momento em que despertei, o “delay” que meu cérebro teve quando abri meus olhos e me surpreendi ao perceber que a visão do meu quarto estava muito nítida. Assim como espero não esquecer o dia em que contemplei – essa é a palavra – a chuva caindo do céu. Estava saindo da academia e, para evitar que meus óculos molhassem (os óculos que meu subconsciente ainda achava que eu usava), inclinei automaticamente o rosto para baixo, momento em que me dei conta de que não precisava mais me preocupar com isso. Levantei a face, e olhei para o alto e me encantei com as pequenas gotas de água que caíam do céu, quase que em câmera lenta, e que se destacavam diante da iluminação que irradiava do poste de luz. Essa foi uma visão muito feliz; não me recordo da última vez que pude ver a chuva caindo do céu de forma tão limpa, tão bela, sem que as gotas em frente às lentes dos meus óculos “poluíssem” a minha visão.
Esses dois singelos acontecimentos após o procedimento cirúrgico, e tantos outros, me proporcionaram a possibilidade de olhar as coisas sob uma nova ótica, me fazendo perceber a beleza das pequenas dádivas concedidas ao longo da vida – como uma chuva caindo do céu – e que, por muitas vezes, devido à correria do dia a dia, passam despercebidas aos nossos olhos. A sensação era como se Deus estivesse se utilizando dessas experiências para me convidar a reaprender a enxergar, quase como que com os olhos de criança ou, quem sabe, com “olhos de poeta” – com os olhos daqueles que nos “ensinam a ver”, como menciona Rubens Alves em seu texto “A complicada arte de ver”.
Essas situações também me fizeram pensar nos sentimentos daqueles que têm a sua visão natural totalmente comprometida e não têm a oportunidade de contemplar as maravilhas que são as obras de Deus. E isso me recordou a figura bíblica do “cego Bartimeu”, que, mesmo sendo cego, “vê melhor do que os outros e reconhece quem é Jesus!”, conforme mencionado pelo Papa Leão XIV, na Catequese do dia 11 de junho de 2025.
Bartimeu nos ensina que a dificuldade de ver não acomete apenas a vida física, mas que, por vezes, também pode afetar a vida espiritual. Ele é um exemplo de que a visão vai além de um “atributo físico” e de que ela, por exemplo, também diz respeito à fé. Bartimeu pôde enxergar melhor do que aqueles que têm a visão natural perfeita, pois, com olhos da fé, viu e reconheceu o Senhor.
Meu irmão, não sei se hoje você é a pessoa que se encontra com as vistas embaçadas ou até mesmo cego, espiritualmente falando. Se esse for o seu caso, desejo que “tenhas a alegria da visão” e, a partir de hoje, nunca deixe de reconhecer o verdadeiro Deus!
Àqueles que têm a visão espiritual saudável, desejo que continuem a cuidar de sua visão, que permaneçam tendo olhos de quem sabe buscar, de quem sabe descobrir os sinais da manifestação do amor de Deus para que, assim como Bartimeu, estejam preparados para responderem a Jesus quando Ele passar por suas vidas e perguntar: “Que queres que eu te faça?” (Mc 10, 51).
Texto escrito por Letícia Brasil, missionária da Rede de Missão Campus Fidei.