Você se lembra onde estava em 24 de abril de 2005?
Eu estava na Universidade Franciscana de Steubenville, em Ohio, estudando teologia, quando um anúncio surgiu na televisão – fumaça branca foi vista na Capela Sistina durante o conclave para eleger o sucessor de João Paulo II. Um grande grupo de estudantes se reuniram ao redor de uma pequena tela no centro estudantil da Universidade Franciscana, ansiosamente esperando o anúncio oficial de um novo papa. Existia uma sensação de ansiedade de quem poderia substituir João Paulo II, cujo reinado santo ocorria desde antes dos nossos nascimentos. O Cardeal protodiácono proclamou: “Gaudium magnum annuncio vobis… Dominum Josephum …”. Independentemente de entender latim, a maioria dos estudantes reconheceu que “Josephum” deveria significar Joseph Cardinal Ratzinger, o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Gritos de alegria imediatamente se seguiram, mesmo antes de o cardeal protodiácono pudesse dizer “Ratzinger” no fim da longa fórmula em latim, tão longe em Roma. Nós conhecíamos o Cardeal Ratzinger. Nós amávamos sua teologia e acreditávamos no seu cuidado paternal com a Igreja. Nós confiávamos que a Igreja estava em boas mãos e que o amado João Paulo II estava sorrindo para seu sucessor.
O papa Bento seria lembrado mesmo se ele não tivesse se tornado papa. Ele era um dos maiores teólogos do mundo e foi um prefeito fundamental e de longa data da Congregação para a Doutrina da Fé durante um período crucial na história da Igreja moderna. O papa Bento era um ótimo professor da fé e um verdadeiro pai para a Igreja dos nossos tempos. Ele foi também o primeiro papa a renunciar em 700 anos, um ato que o Papa Francisco exaltou como de humildade exemplar.
Antes de se tornar papa
Joseph Ratzinger nasceu em 16 de abril de 1927, na Bavária. Sua família era muito devota. Na verdade, seu irmão mais velho também se tornou padre, e sua irmã tornou-se professora com um coração a serviço. Joseph foi sempre um estudioso e reservado, e queria se tornar padre e acadêmico. A família Ratzinger havia perdido um primo deficiente devido à eugenia nazista e eram muito anti-nazistas, tanto quanto era possível na sociedade alemã da época. Mas, tanto Joseph quanto seu irmão, como homens, foram convocados para o exército alemão durante a Segunda Guerra Mundial. Os dois foram capturados e passaram algum tempo como prisioneiros de guerra em campos americanos, separados. Depois da guerra, os irmãos frequentaram o seminário juntos e foram ordenados juntos em 1951. Os dois tinham interesses e talentos especializados que complementavam o seu ministério sacerdotal. Pe. Georg tornou-se um renomado diretor de coral, e pe. Joseph, professor universitário, com doutorado em teologia. Pe. Joseph também adorava música e gostava de tocar piano clássico nas horas vagas – um amor que o acompanhou por toda a vida.
Durante sua carreira acadêmica, Pe. Joseph Ratzinger publicou inúmeros trabalhos teológicos e teve posições acadêmicas em várias universidades. Devido à sua erudição, Pe. Joseph foi selecionado pelo influente progressista Cardeal Frings, arcebispo de Colônia, como um teólogo especialista, ou perito, para o Concílio Vaticano II. No seu papel, Pe. Joseph se tornou a voz do Concílio e ajudou a rascunhar a Declaração sobre a Palavra de Deus, Dei Verbum, na qual ele enfatizou a unidade da Escritura e Tradição como fontes de Jesus, a divina Palavra de Deus. Ele esteve entre as principais vozes em prol do crescimento orgânico e da mudança dentro da Igreja durante este período e, portanto, foi ele próprio um progressista. Os motins de 1968, no entanto, azedaram-no para a causa progressista tanto na sociedade como na Igreja. Embora nunca tenha contrariado os seus antigos princípios teológicos, a partir de então colocou uma maior ênfase na tradição e na continuidade, para que estes não se perdessem precipitadamente no meio da mudança, e especialmente da mudança que não era orgânica. Símbolo disso, Pe. Joseph, que anteriormente publicou os seus artigos na revista progressista Concilium, dedicada à reforma e à mudança no espírito do Concílio, tornou-se mais tarde membro fundador e colaborador regular da Communio, que se dedicava à reforma no sentido de restaurar a continuidade na Igreja com as Escrituras e os Padres da Igreja.
Em 1977, Pe. Joseph foi nomeado Arcebispo de Munique e Freising pelo Papa Paulo VI e, mais tarde, naquele mesmo ano, foi elevado ao posto de Cardeal. Em 1981, o Cardeal Ratzinger foi nomeado pelo Papa João Paulo II como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), depois de o Cardeal Ratzinger ter recusado alguns convites. Ele se tornou um dos conselheiros nos quais o Papa João Paulo II mais confiava e o assistiu nos seus esforços para definir uma interpretação oficial do Vaticano II. Quase duas décadas depois do Concílio Vaticano II, esta foi uma época em que vários teólogos experimentaram misturar várias ideias novas com o catolicismo no “espírito do Vaticano II”. Como Prefeito da CDF, o Cardeal Ratzinger disciplinou vários teólogos proeminentes que lideravam a dissidência do ensino magisterial. Ele também escreveu a declaração da CDF sobre a relação de Cristo e da Igreja Católica com outras religiões e denominações, Dominus Iesus, fornecendo um esclarecimento dos ensinamentos do Vaticano II. Nele, o Cardeal Ratzinger ensinou que toda a salvação vem através de Cristo através da Igreja, e que aqueles que estão fora dos limites visíveis da Igreja podem ter vários níveis de comunhão parcial com ela.
O papado de João Paulo II foi muito longo, e também o Cardeal Ratzinger preservou por um longo tempo as suas posições na Cúria. Ele apresentou sua renúncia várias vezes ao Papa, desejando se aposentar para uma vida de estudo e escrita, mas João Paulo II recusou todas as vezes. No momento da morte do Papa João Paulo II, em abril de 2005, Cardeal Ratzinger tinha a posição de Decano do Colégio dos Cardeais. Ele pregou as homilias tanto no funeral de seu amigo João Paulo II quanto na abertura do novo conclave. No conclave, foi eleito no segundo dia de votação para ser o sucessor de João Paulo II em 19 de abril de 2005. Ele escolheu o nome Bento em homenagem ao Papa Bento XV, promotor da paz entre as nações, e São Bento de Núrsia, padroeiro da Europa, com o objetivo de restaurar a unidade cristã na Europa e promover a paz entre as nações.
Um papa professor
A imprensa pensava que Bento XVI seria um papa severo devido ao seu papel passado na Cúria de João Paulo II, mas ele emergiu como uma figura paterna, abraçando toda a Igreja e estendendo boa vontade a todos. Atraídos pela sua autenticidade, os jovens, que afetuosamente o chamavam de ‘B16’, reuniram-se com ele durante três Jornadas Mundiais da Juventude em Colônia (2005), Sydney (2008) e Madri (2011). Da mesma forma, seguindo o exemplo do seu antecessor, o Papa Bento XVI viajou extensivamente em visitas pastorais por todo o mundo para fortalecer as igrejas locais na sua fé. Interessado no ecumenismo a partir das suas interações nos seus tempos de universidade, o Papa Bento XVI procurou a reconciliação com a Sociedade Sacerdotal de São Pio X e a Igreja Oriental e estabeleceu um Ordinariato para a recepção das comunidades anglicanas em plena comunhão com Roma, mantendo as suas próprias tradições litúrgicas. Ele permitiu que os padres fizessem uso mais livre da Missa Tradicional em Latim, se desejassem. O Papa Bento XVI também se tornou uma das figuras públicas mais seguidas no Twitter, dando início à nova tradição papal de twittar regularmente publicações religiosas edificantes. Notavelmente, ele beatificou o Papa João Paulo II (concedendo dispensa especial para o período de espera habitual). Ele também beatificou John Henry Cardinal Newman, Madre Maryanne Cope, e beatificou e canonizou muitos outros também.
Papa Bento XVI era certamente um “papa professor”, permanecendo diante da verdade contra o que ele chamou de “ditadura do relativismo”. Em Regensburg, onde ele já tinha servido como professor, ele apresentou uma importante aula como papa em 2006, sobre um tema central do seu pontificado – a unidade entre fé e razão.
O papa Bento XVI escreveu três encíclicas e iniciou uma quarta, Lumen Fidei, que foi expandida e promulgada por seu sucessor, Papa Francisco, em 2013. As encíclicas de Bento XVI eram claras e profundas, mas também tentavam ser simples, servindo às catequeses sobre virtudes teologais tão básicas à vida cristã – fé (Lumen Fidei, do Papa Francisco, de 2013), esperança (Spe Salvi, 2007) e caridade (Deus Caritas Est, 2005). O Papa Bento promulgou uma encíclica social, Caritas in Veritate (2010), a qual antecipou de muitas formas os ensinamentos do Papa Francisco sobre justiça social e responsabilidade com meio ambiente.
Durante seu papado, o Papa Bento também publicou uma série de três volumes “Jesus de Nazaré”, exemplificando a teologia bíblica fundamentada na fé (versículos da predominante “hermenêutica da suspeita” que ele condenou), proporcionando reflexão cuidadosa para leitores de todo o mundo e enfatizando a centralidade de Cristo em nossa fé. O Papa Bento amou as tradições anciãs do papado e restaurou muitas das suas armadilhas. Isto enfatizou a dignidade do cargo e a continuidade com a tradição, que também foi um tema do seu pontificado.
A cruz do Papa Bento XVI
O Papa Bento não pediu para ser papa, e até considerou o papado como a cruz que deveria carregar. Ele era claramente contracultural, e a mídia secular tendia a tratá-lo com suspeita desde o início. Alguns seculares e ateístas tomaram oposição vocal contra ele. Ele teve de enfrentar as consequências do escândalo “Vatileaks”, no qual o seu próprio mordomo publicou um livro não autorizado expondo a corrupção no Vaticano e retratando-o como incapaz de lidar com o problema endêmico. Os escândalos dos abusos sexuais do clero, de décadas passadas, chegaram ao seu ponto máximo no fim dos anos 2000, e a raiva começou a ser direcionada ao topo. Enquanto isso, o papa Bento XVI continuava sofrendo com uma condição cardíaca e seus médicos o alertaram para interromper suas viagens vigorosas. Além disso, o mundo não sabia que ele tinha marca-passo.
Em 11 de fevereiro de 2013, o papa Bento XVI, com 86 anos, chocou os cardeais e o mundo com um anúncio formal de sua renúncia, efetivamente no dia 28 daquele mesmo mês. Ele seguiria o exemplo do Papa São Celestino V do século XIII, o último papa a renunciar, que o fez perceber que seus dons e chamado eram mais para o mosteiro do que para altos cargos. Papa Bento constatou que o papado moderno necessitava de uma força e carisma que ele não tinha mais, e citou sua idade e enfermidade. Ele escolheu o título de “papa emérito” e escolheu usar a batina branca e solidéu sem trajes papais.
Ele prometeu lealdade ao seu sucessor e que falaria com moderação para deixá-lo agir sem impedimentos, e prometeu orar incessantemente pela Igreja. Ele acreditava que essa era a vontade de Deus para a Igreja. Às 18h, do dia 28 de fevereiro de 2013, os sinos da Basílica São Pedro tocaram para marcar o fim do pontificado do Papa Bento XVI, enquanto ele voava de helicóptero para a residência de verão papal, Castelo Gondolfo, onde foi saudado por grande multidão de fiéis, aplaudindo e agradecendo-lhe pelo seu serviço à Igreja. Passando os seus últimos anos numa residência no Vaticano, encontrou-se diversas vezes com o Papa Francisco, que o convidou a fazer isso, e também fez alguns discursos e entrevistas, sempre manifestando apoio ao Papa Francisco.
O Papa Bento XVI foi um ótimo e santo homem e um teólogo imponente.Ele serviu à Igreja fielmente e prudentemente, e resistiu às tempestades com coragem. Papa Francisco disse sobre ele: “todas as vezes que eu leio os textos de Joseph Ratzinger/Bento XVI, torna-se extremamente claro que ele fez ‘teologia com os joelhos’. Com os joelhos, porque, mesmo antes de se tornar um grande teólogo e professor da fé, nós vemos um homem que verdadeiramente acredita, verdadeiramente reza, você o vê como um homem que abraçou a santidade, um homem de paz, um homem de Deus”.
_____________
Autor: Michael J. Ruszala
Autor de vários livros religiosos, incluindo “Lives of the Saints: Volume I” e “Who Created God? A Teacher’s Guidebook for Answering Children’s Tough Questions about God”. Ele possui mestrado em Teology & Christian ministry pela Universidade Franciscana de Steubenville. Michael é diretor de Formação da Fé Familiar na Paróquia de São Gregório o Grande em Williamsville, Nova York, Professor Sênior de Estudos Religiosos na Universidade de Niágara em Lewiston, Nova York, e também organista de igreja. Ele mora nos arredores de Buffalo com sua esposa e filhos.
Fonte: Ascension Press
Traduzido por seu Maria Augusta – Membro da Rede de Missão Campus Fidei, servindo no Núcleo de Comunicação