No nosso primeiro artigo de formação – “Querigma: o primeiro anúncio da Boa Nova de Cristo” – vimos que este é só o início da evangelização e da formação da vida cristã. Hoje dando um passo a mais, veremos que no processo seguinte deve vir a catequese, o ensinamento, a instrução (didaché) e o progresso espiritual, para o aprofundamento da fé anunciada, da fé recebida.
Mas o que seria então o “Didaquê”? Para encontrarmos a riqueza dessa resposta, vamos explorar um pouco de História da Igreja e sua Sagrada Tradição: A partir do segundo século, a Igreja começou a elaborar um itinerário mais exigente aos que desejavam ser cristãos. E a referência que se tem desse itinerário, além do Novo Testamento é o ‘Didaquê” na qual encontramos as bases mais sólidas da iniciação à fe, sem ainda consistir em uma maior sistematização. “Didaqué” é uma palavra grega que significa “instrução” ou “doutrina”, e esta obra antiquíssima era conhecida como “A Instrução dos Doze Apóstolos”, – o que lembra muito o que diz o livro de Atos (2,42) sobre “o Ensinamento dos Apóstolos“, ou seja, era o conjunto de mandamentos práticos para a vida dos discípulos. Olhando para esse Catecismo dos primeiros cristãos, portanto, nos permite entender melhor as origens do cristianismo, nos dá uma ideia de como eram a iniciação, as celebrações, a organização, a vida das primeiras comunidades e como se vivia o evangelho.
Agora recorrendo à Sagrada Escritura encontraremos os fundamentos bíblicos da Didaqué. Se no Evangelho de Marcos Jesus nos convida a “ir por todo mundo, e ANUNCIAR o Evangelho a toda criatura” (Mc 16, 15), no Evangelho de Mateus por sua vez, o convite sai um pouco da estrada do primeiro anúncio e ganha também depois um certo percurso a direção do caminho do ensinamento: “Ide e fazei discípulos meus entre todas as nações, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. ENSINANDO-OS a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,19-20). Esta é a nossa tarefa, a nossa missão: anunciar e ensinar. O Papa Francisco na Evangelii Gaudium nos diz que precisamente nesse trecho do evangelho “se vê claramente que o primeiro anúncio deve desencadear também um caminho de formação e de amadurecimento.” (EG, 160). A pregação ou o Querigma é o que dá origem à Igreja; o ensinamento ou o Didaquê é o que «forma» a fé da Igreja. O querigma, por assim dizer, tem um caráter explosivo, ou germinativo; parece-se mais à semente que dá origem à árvore, produz a fé no coração do discípulo. Enquanto que o Didaquê parece-se mais com a árvore que agora necessita ser cultivada, nutrida, podada, a fim de tornar-se fecunda e apta a “gerar bons frutos” (M7 7,17-19).
Ao entender estes dois aspectos da Palavra de Deus (anúncio e ensinamento), vemos que um discípulo missionário necessita receber abundantemente Querigma e Didaquê. Para o seu crescimento não é salutar que receba muito de um e pouco de outro. Pois, se alguém recebe muito Querigma e pouco Didaquê, corre o risco de tornar-se certamente uma pessoa cheia de fé e entusiasmo, mas muito provavelmente com pouca direção para sua vida, por trazer consigo certas e profundas lacunas na sua formação cristã. Será alguém, cujo o território do coração começou a despontar as primeiras RAÍZES do que crer, mas ainda com certa ausência das RAZÕES do porquê crer. É por esse motivo, portanto, que o Papa Francisco nos recorda que “toda a formação cristã é, primariamente, o aprofundamento do querigma que se vai, cada vez mais e melhor, fazendo carne em nós… Sim, porque todos somos chamados a crescer como evangelizadores. Devemos procurar simultaneamente uma melhor formação, um aprofundamento do nosso amor e um testemunho mais claro do Evangelho. Neste sentido, todos devemos deixar que os outros nos evangelizem constantemente” (EG 116 e 121).
Por outro lado, se alguém receber muito Didaquê (ensinamento, formação) e pouco Querigma (renovado anúncio daquele sempre e eterno amor de Cristo por nós), será alguém com muito conhecimento de como deve guiar sua vida cristã, mas sem fé, entusiasmo e combustível para guiá-la. Mesmo na vida dos formadores e líderes dos nossos movimentos, grupos jovens, pastorais, Grupos de Estudo, comunidades, associações, paróquias, dioceses, se faz necessário deixar um necessário espaço para o Querigma. Sim, pois “ao designar-se como «primeiro» este anúncio, não significa que o mesmo se situa no início e que, em seguida, se esquece ou substitui por outros conteúdos que o superam; é o primeiro em sentido qualitativo, porque é o anúncio principal, aquele que sempre se tem de voltar a ouvir de diferentes maneiras e aquele que sempre se tem de voltar a anunciar, duma forma ou doutra, durante a catequese, em todas as suas etapas e momentos” (Papa Francisco EG, 164). Por isso, que não sem razão o Papa Francisco nos insiste também que todo dia é tempo de beber da fonte do primeiro amor: “Convido todo o cristão, em qualquer lugar e situação que se encontre, a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de O procurar dia a dia sem cessar. Não há motivo para alguém poder pensar que este convite não lhe diz respeito, já que «da alegria trazida pelo Senhor ninguém é excluído” (EG, 3). Sim, pois como também nos ensina o Papa Bento XVI: “ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo”.
Uma imagem que nos permite finalmente entender melhor o Didaquê como o necessário aprofundamento do Querigma é comparando estes dois aspectos com um trem de ferro. Sim, o Didaquê são os vagões com as cargas que devem ser levadas e para isso precisará do Querigma que é a locomotiva, que por sua vez não tem capacidade de transporte própria, quer de passageiros, quer de carga. Ela apenas se ocupa de fornecer a energia necessária para colocar o trem em movimento. Um e outro são necessários para o trem chegar ao seu destino. De modo que se por exemplo, lançarmos mãos da locomotiva e se só nos ocuparmos das instruções e dos ensinamentos da fé, o máximo que conseguiremos é sobrecarregar o trem e o deixarmos com os vagões pesados. Se, porém, voltarmos sempre à abundante e rica fonte do Querigma, podemos depois seguramente acrescentar vagões ao trem, pois ele tem uma potente locomotiva para conduzi-los. Que beleza, não? Finalmente, encontramos ainda uma outra ilustração sobre a estreita ligação entre as verdades querigmáticas e as normas práticas para um reto atuar por parte dos crentes: é a relação entre a agulha e a linha no trabalho de costurar. Podemos dizer que o Querigma é a agulha que vai abrindo o caminho ao costurar. E que o Didaquê é a linha que vai mantendo unido e consolidando tudo por onde a agulha passou. Não se pode abrir mão de nenhuma das duas. Não se pode costurar sem uma das duas. Assim um discípulo missionário necessita de ambos aspectos da Palavra de Deus. E todo aquele que é chamado a ser formador de almas deve zelar por vivê-los e a também usá-los ricamente no seu bonito serviço.