O que os cristãos do Egito podem nos ensinar sobre o Credo?

Um dia depois de a cidade de Alexandria, no Egito, ter sido atingida por bombas em pleno Domingo de Ramos, matando muitos e ferindo dezenas de pessoas, cristãos egípcios responderam ao ataque reunindo-se do lado de fora de uma das igrejas destruídas e entoando juntos o Credo Niceno-Constantinopolitano. Foi um momento comovente, principalmente por causa do texto escolhido. A cena de nossos irmãos e irmãs perseguidos cantando juntos essa profissão de fé deveria causar em nós uma reflexão sobre nosso próprio relacionamento com o Credo.

O triste fato é que, apesar do Credo Niceno-Constantinopolitano ser parte de muitas de nossas missas dominicais, a maioria de nós o professa como se estivesse resmungando e tropeçando em suas palavras, com quase nenhuma reflexão sobre seu significado. A profissão de fé parece ser uma estranha interrupção, uma confusão metafísica inserida entre a explicação sobre o Evangelho e os mistérios sagrados da Liturgia Eucarística. Qual é o seu propósito? Se não lembramos a resposta para essa pergunta, corremos o risco de nos tornarmos como a tribo Yang no episódio “A Glória de Ômega” da série de televisão Jornada nas Estrelas, que entoam solenemente suas “palavras sagradas” as quais parecem sons sem sentido, mas que acabam sendo o preâmbulo da Constituição dos Estados Unidos: eles sabem que as palavras são importantes, mas eles não sabem o porquê. Por que o Credo é tão importante para nós? Tão importante que os cristãos egípcios arriscaram suas vidas para se reunirem e recitá-lo?

O Credo Niceno-Constantinopolitano é a expressão fundamental dos mistérios mais centrais de nossa fé: a vida da Santíssima Trindade e a ação salvífica de Jesus Cristo. Suas afirmações foram cunhadas pelos primeiros cristãos. As Cartas de São Paulo são salpicadas de pequenos resumos da fé. Em 1 Coríntios 15, 3-8, São Paulo recorda aos Coríntios acerca do conteúdo essencial da fé que ele transmitiu à comunidade:

Eu vos transmiti primeiramente o que eu mesmo havia recebido: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado, e ressurgiu ao terceiro dia, segundo as Escrituras; apareceu a Cefas e, em seguida, aos Doze. Depois apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma vez, dos quais a maior parte ainda vive (e alguns já estão mortos); depois apareceu a Tiago, em seguida a todos os apóstolos. E, por último de todos, apareceu também a mim, como a um abortivo.”

De outro modo, São Paulo insere na Carta aos Filipenses (Fl 2, 6-11) um hino sobre a Encarnação:

“Sendo Ele [Jesus] de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens. E, sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso, Deus o exaltou soberanamente e lhe outorgou o nome que está acima de todos os nomes, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho no céu, na terra e no inferno. E toda língua confesse, para a glória de Deus Pai, que Jesus Cristo é Senhor.”

Essas breves definições foram importantes ferramentas para que os primeiros cristãos expressassem aquilo que era mais básico em sua fé. Com o passar do tempo e o desenvolvimento de várias interpretações das Sagradas Escrituras por diferentes grupos, os Padres da Igreja, como Santo Irineu de Lyon, chamariam tais definições de “a regra da fé”, a diretriz pela qual quaisquer interpretações ou formulações seriam julgadas. Essas expressões protegem a fé de tentativas de alterá-la, diluí-la ou radicalmente interpretá-la de maneira equivocada, deixando-a irreconhecível.

Ainda que as heresias tenham assolado a Igreja desde o seu princípio, nenhuma delas teve tanto impacto quanto a heresia de Ário. Sacerdote em Alexandria no início do século IV, Ário ensinou que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade era a maior de todas as criaturas, mas não era Deus que “havia um tempo em que o Filho não era”. Resumidamente, Ário negava a divindade de Cristo. Essa ideia inovadora dividiu o recém-cristão Império Romano em facções beligerantes. Multidões se revoltaram nas cidades. Os Bispos foram exilados de suas dioceses. A unidade da Igreja nunca esteve tão em perigo.

Para extinguir essa questão, no ano de 325, o Imperador Constantino convocou o primeiro concílio ecumênico universal, convidando bispos de todo o império para se encontrarem na cidade de Niceia e resolver o assunto. Mais de 300 bispos compareceram. O concílio condenou o ensinamento de Ário, e formulou uma expressão de fé. Esse credo (do latim, “eu creio”) proclamou que o Pai e o Filho são ambos Deus, que não são de uma substância semelhante (homoiousios), mas da mesma substância (homoousios) um ensinamento ortodoxo que depende de um simples “iota” [letra grega]. A controvérsia não acabaria ali, mas seria selada em 381 no Concílio de Constantinopla, guiado por Santo Atanásio de Alexandria, no qual argumentos adicionais que explicassem a relação do Espírito Santo com a Trindade seriam inseridos no Credo. Por isso, o nome desse símbolo é Credo Niceno-Constantinopolitano, um baita trava-língua.

Apesar de não apoiarmos ações extremas, podemos admirar a paixão e a convicção dos primeiros cristãos a respeito da expressão da fé, a ponto de lutar por ela. Você imaginaria entrar em uma luta com alguém por causa do Credo? Essa ideia não mexe conosco da mesma forma como mexia com eles. Em nossa época, estamos muito mais focados em questões morais quando falamos sobre “debates na Igreja”, imediatamente pensamos nesses assuntos. Isso pode também ser sintoma de um “deísmo moralista terapêutico”, do qual muitos se tornaram adeptos, segundo o qual Deus quer apenas que você se sinta bem e seja bom (com o primeiro geralmente determinando o segundo), mas não está particularmente preocupado em ter um relacionamento conosco. Se Deus é apenas um relojoeiro distante, não há muitos impulsos ou incentivos para pensar Nele ou buscar conhecer algo sobre Ele. Quem se importa com a vida da Trindade quando Deus está tão distante? Vamos resmungar rapidamente a Profissão de Fé durante a missa e continuar a preocupar-nos com meras ações sociais de caridade de vez em quando. 

Talvez seja o conforto que faz com que nós negligenciemos os fundamentos de nossa fé. No Ocidente, podemos exercer nosso cristianismo com relativa segurança e proteção. Os cristãos no Egito, na Síria, no Iraque e em outros lugares de perseguição não têm esses luxos e agarram-se firmemente ao que é mais importante, à fé que os sustenta nas provações. Dessa forma, os cristãos egípcios em Alexandria ouvem atentamente as palavras de São Paulo, quando diz: “ficai firmes e conservai os ensinamentos que de nós aprendestes”, sabendo que o Deus Trino, que louvam e em quem professam a fé por meio do seu cântico, está com eles em meio aos sofrimentos. Faremos bem em seguir o exemplo deles.

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Autor: Nicholas Senz

É diretor de Formação para a Fé na Igreja Católica São Vicente de Paulo, em Arlington, Texas, e catequista. Possui graduação em Filosofia e em Teologia pela Escola Dominicana de Filosofia e Teologia, em Berkeley, CA.

Fonte: Crisis Magazine

Traduzido por Tiago Veronesi Giacone – Membro da Rede de Missão YOUCAT BRASIL, servindo nos Núcleos de Tradução, Formação e Comunicação, além de atualmente participante do Grupo de Estudo YOUFAMILY em Brasília – DF.

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