Maria: a Nova Eva e nossa Mãe Espiritual

O que significa proclamar Maria como a Nova Eva? Os escritores cristãos do século II prontamente proclamaram “morte por Eva, vida por Maria” (leia São Justino, mártir, e Santo Irineu).

Em Gênesis 3,15, temos o que a Tradição veio a conhecer como o protoevangelho (“primeiro evangelho”), no qual Deus responde à Serpente, insinuando sua primeira promessa de redenção após a queda de Adão e Eva: “Porei ódio entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”. Isto indica a luta cósmica que se seguirá, resultando na derrota final da Serpente por meio da descendência da Mulher – embora sua descendência também sofra com esta vitória (“tu lhe ferirás o calcanhar”). A Tradição Cristã vê isso, em última análise, como uma profecia enigmática da vitória de Jesus sobre o diabo na Cruz.

Além disso, Eva também é descrita como “a mãe de todos os viventes” (Gn 3, 20). Pela graça – em Cristo – Maria torna-se nossa mãe; ela se torna a mãe de todos os viventes não na ordem natural, mas na ordem sobrenatural da graça. 

Eva foi criada em estado de graça, sem pecado; se Maria deve exibir toda essa “inimizade” entre ela e a Serpente (como mencionado na passagem acima), parece que seu estado de graça deve ser elevado pelo menos até o nível de Eva. Aqui, podemos ver um indício da Imaculada Conceição de Maria: esta não é uma doutrina que implica que Maria não precisa de um salvador, mas se refere ao modo único e especial pelo qual ela foi salva por seu Filho. A maioria de nós está se afogando em pecado e Jesus nos puxa para fora; a Imaculada Conceição significa que Jesus a salvou antes que ela caísse em pecado.

Qual é a evidência bíblica para ver Maria como a Nova Eva?

A maior parte vem dos escritos de São João – o que provavelmente não é uma coincidência, já que foi ele quem acolheu Maria após a morte de Jesus. Certamente, João deve ter perguntado à Santíssima Mãe como Jesus era quando tinha apenas dois anos. Em outras palavras, não é um acidente que os escritos de São João nos dão alguns dos escritos teológicos mais exaltados do Novo Testamento – afinal, ele pôde contemplar estes mistérios com a Santíssima Mãe ao seu lado.

Comecemos com o Evangelho. João inicia com claras alusões ao Gênesis: “No princípio era o Verbo…” (Jo 1, 1; cf. Gn 1,1). João continua, referindo-se a “luz” e “vida” – novamente, claras alusões a Gênesis 1 (cf. Jo 1, 4). Se seguirmos o texto cuidadosamente, João então prossegue dispondo uma série de dias, usando a frase recorrente “no dia seguinte”. Ele faz isso três vezes (Jo 1, 29.35.43), sugerindo uma série de quatro dias (o primeiro “dia seguinte” seria o segundo dia, então o terceiro e depois o quarto).

Neste contexto, temos um casamento o qual se diz acontecer “três dias depois” (Jo 2, 1). Bem, três dias depois do quê? Talvez a partir do quarto dia – nesse caso, “três dias depois” seria o sétimo dia. Em outras palavras, principalmente à luz da forma como João começou o Evangelho com claras alusões a Gênesis 1, ele parece estar aqui sutilmente configurando uma nova semana de criação.

Este é o cenário para a resposta de Jesus a Maria: Mulher… minha hora ainda não chegou” (Jo 2, 4). Apesar da forma como isso soa aos nossos ouvidos, esta não é uma repreensão desrespeitosa por duas razões: (1) Jesus é o Homem-Deus – certamente ele não iria contra o quarto mandamento; e (2) a resposta de Maria é em si indicativa: ela não se encolhe, dizendo “Nossa, Jesus, você precisava ser tão maldoso – em público?!” Em vez disso, Maria volta-se diretamente aos serventes dizendo “Fazei o que ele vos disser” (Jo 2, 5). Dito de outro modo, a resposta de Maria sugere uma ansiedade entusiasmada – como se ela estivesse dizendo alegremente “Jesus vai nos ajudar!”.

Se Jesus não está repreendendo Maria, então o que Ele está fazendo – e por que João conta essa narrativa dessa forma? Dado as alusões ao Gênesis com as quais João começa o Evangelho – e então a sutil semana da criação que ele desenvolve recorrendo à expressão “dia seguinte” e “três dias depois” – parece que talvez haja uma certa “mulher” em mente, à qual Jesus está aludindo: “Porei ódio entre ti e a mulher” (Gn 3,15). Em outras palavras, Jesus está proclamando que Maria é a Nova Eva – a mulher que carrega a semente que traz esta vitória final (cf. Jo 12, 31-32).

De fato, João nunca se refere a Maria pelo nome – em vez disso, ele sempre se refere a ela como “mulher” (cf. Jo 2,4; 19, 26; Ap 12, 1). Na Cruz, no Evangelho segundo São João, Jesus olha para baixo e vê sua mãe e João, o discípulo amado, e diz: “Mulher, eis aí teu filho… eis aí tua mãe” (Jo 19, 26-27). Aqui, João acolhe Maria como sua mãe espiritual, e Maria acolhe João como seu filho espiritual.

Por que João chama a si mesmo de discípulo amado?

Bem, você é amado? Eu sou amado? João aqui se vê incorporando o relacionamento concedido a todos os discípulos. Seu acolhimento de Maria como sua mãe espiritual refere-se não somente a ele, mas ao relacionamento que todos os cristãos agora têm com a Santíssima Mãe. Confiando João e Maria um ao outro dessa forma, Jesus confiou a Mãe Santíssima a todos nós. Maria torna-se nossa mãe espiritual, que constantemente leva nossas necessidades a seu Filho – assim como ela fez no casamento em Caná; e ela continuamente diz a todos nós, assim como ela o fez naquela ocasião: “Fazei o que ele vos disser” (Jo 2, 5). Em outras palavras, Maria sempre nos leva a Jesus – quanto mais nos aproximarmos dela, mais nos aproximamos d’Ele.

Temos um conteúdo similar em Apocalipse 12, onde temos uma “mulher” que é tanto a mãe do Messias (cf. Ap 12, 1.5) como a mãe de todos os cristãos – seus outros filhos são descritos como “os que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus” (Ap 12, 17).

A Igreja primitiva sabia que Maria é a Nova Eva, a nova mãe de todos os viventes e, portanto, nossa mãe em Cristo. Como os Pais da Igreja primitiva costumavam dizer, Maria é como a lua: ela não tem luz própria, mas reflete radiante a luz do sol. Esta analogia é importante porque mostra que a glória de Maria é sempre uma participação na glória de seu Filho; isto é, nunca é uma competição com Jesus – nunca tira de Jesus, mas apenas serve para mostrar Seu poder.

Ambas – Eva e Maria – foram abordadas por um anjo (com Eva, um anjo caído); a dúvida surgiu no coração de Eva, enquanto a fé de Maria foi firme (cf. Lc 1, 45). Eva participou na queda do primeiro Adão, assim como Maria participou na vitória de seu Filho, o Novo Adão (cf. Lc 2, 34-35). Nas palavras dos Pais primitivos, “o nó da desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria.”.

Na Providência Divina, foi o fiat de Maria que preparou o caminho para a nova criação, manifestada na ressurreição de Cristo. Seu “sim” – em um de seus maiores títulos – tornou-se “causa de nossa salvação”. O fiat de Maria tornou-se o sim da humanidade ao pedido de casamento divino.

Como podemos nos aproximar de Maria, e assim nos aproximar de seu Filho? Pois o desejo mais profundo de Maria é nos unir a seu Filho.

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Autor: Dr. Andrew Swafford

Dr. Andrew Swafford é um professor de teologia na Benedictine College, onde ele dá cursos sobre as Escrituras e vida moral Cristã. Tem doutorado em Sacred Theology pela universidade St. Mary of the Lake e diploma de mestrado em Antigo Testamento e Línguas Semíticas da Trinity Evangelical Divinity School. É membro da Sociedade de Literatura Bíblica, da Academia de Teologia Católica e membro sênior do Centro São Paulo para Teologia Bíblica. É autor e coautor de diversos livros, e mora com sua esposa Sarah e seus cinco filhos no Kansas. 

Fonte: Ascension Press

Traduzido por Mariana Leite – Membro do grupo de estudos YOUCAT Dating São Judas Tadeu, voluntária no Núcleo de Tradução.

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