A necessidade da oração (17 º Domingo do Tempo Comum)

1. INTRODUÇÃO

No evangelho de Lucas, Jesus aparece sempre como um homem de profunda oração. A oração perpassa toda a vida do Senhor: O Batismo, manifestação maravilhosa com o qual se dá início à vida pública ocorre num contexto de oração (3,21); no exercício da sua missão Jesus se retira para rezar em lugares solitários (5,16); a escolha dos doze apóstolos – decisão importante para o futuro da mensagem do reino de Deus que Jesus anuncia entre os homens – é precedida por uma noite de vigília e oração (5,12); a transfiguração, como desvelamento da verdadeira identidade de Cristo no alto do monte Tabor, ocorre enquanto Jesus rezava (9,28-29); a chamada profissão de fé de Pedro é proclamada depois da pergunta que Jesus faz enquanto rezava em particular (9,18); antes de assumir o drama da paixão na véspera da páscoa, para ser entregue como inocente cordeiro, Jesus ora a Deus Pai para que lhe ajude a fazer a sua vontade a pesar de sofrer somatizando – porque suou gotas de sangue – a angustia que experimenta através do cálice que deve beber no monte das oliveiras (22,41-46); e finalmente, Jesus reza desde o alto da cruz pelo que acabam de fazer os seus algozes: “Pai perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”, palavras que serão as últimas pronunciadas na sua vida terrena (23,24).

A oração é a forma que Jesus utiliza para estar no silêncio e na intimidade com Deus, é o instrumento que lhe permite dialogar com seu Pai. Da oração depende o equilíbrio psicológico, a mansidão dos seus gestos, a firmeza de caráter para enfrentar as adversidades, e a força de espírito para a missão redentora que deve realizar.

2. EVANGELHO

Os discípulos contemplando a Jesus enquanto rezava pedem que lhes ensine a Rezar. Era costume na época que os discípulos de um rabino importante tivessem uma fórmula de oração como distintivo, ou seja, para que se distinguissem de forma especial, por isso eles dizem: “como João ensinou a seus discípulos…”.

Jesus “entrega” ensinando a prece que Ele próprio reza na sua relação com Deus, não é uma fórmula fixa, mas corresponde a um conteúdo de fé que esconde uma profunda e nova espiritualidade. Entre outras coisas destacam-se dois temas importantes: Em primeiro lugar, a forma de chamar a Deus é inusitada: “Quando orardes, dizei: Pai”. Os discípulos de Cristo se comunicam com Deus numa relação filial. O Deus de Jesus Cristo não é simplesmente um ser superior, uma mente organizadora, é Pai: criador e amoroso. A ideia do Pai é familiar a qualquer homem, porque significa proteção, confiança e amor. Só que a novidade de Jesus reside na forma de chamar a Deus de “Pai”, já que Jesus ensina uma expressão que é própria das crianças quando chamam a seu progenitor, aliás, é uma das primeiras palavras que brota nos lábios de um bebê – ao balbuciar – com a qual se identifica o ser mais próximo – depois da mãe – do seu pequeno universo. Na língua original, no aramaico Jesus diz: “Abba”, que quer dizer, “papai” “papaizinho”.

Esta forma de chamar a Deus escandalizou os judeus contemporâneos de Jesus, de fato aparece no falso processo judiciário feito pelas autoridades do Sinédrio como motivo de acusação: “Ele é Filho de Deus” (cfr. Lc 22,69-71), o que significa uma blasfêmia. Cristo nos aproxima de Deus como filhos. Aquela distância entre a divindade e os homens em Cristo é cancelada, podemos invocá-lo como Pai, como crianças que podem contar sempre com a sua proteção.

Finalmente, a oração do Senhor é comunitária, é rezada em plural, não é uma prece egoísta, individual e isolada. Jesus na sua pregação distinguia perfeitamente o nexo que existia entre Ele e Deus, e a relação dos homens com seu Pai: “O meu Pai e o vosso Pai”, “o meu Deus e o vosso Deus”, isto porque entre Jesus e Deus existe uma relação metafisicamente falando (quer dizer na sua essência mais íntima) de natureza, substancialmente possuem o mesmo ser, ao passo que entre Deus e os homens existe uma relação adotiva, porém nesta oração, Jesus se une aos homens para rezar desde o mesmo patamar, o seu Pai é também nosso, por isso diz “Pai nosso”.

Para dar força à necessidade da oração na vida diária Jesus emprega uma parábola muito singela, porém sugestiva: um homem que importuna seu amigo no meio da noite porque por sua vez precisa de ajuda para outro amigo que acaba de chegar à sua casa. Nas aldeias da Palestina da época não existiam padarias, os pães eram feitos nas casas durante a manhã para toda a jornada. Como a hospitalidade é sagrada no oriente, receber um hospede é receber o próprio Deus que passa, é compreensível a preocupação do homem por procurar na casa do seu amigo três pães (o que corresponde para a refeição de uma pessoa) já de noite, o horário em que chegavam as caravanas nos diversos destinos para evitar o sol do deserto durante a viagem. O personagem da parábola que procura ajuda no meio da noite, sabe a quem recorrer mesmo que isto gere desconforto na casa de seu amigo acordando todos os seus membros, ao ser socorrido importunava o sono do lar já que as casas eram de  um só cômodo onde todos dormiam por terra, e onde inclusive colocavam dentro gado ou ovelhas.

Jesus com esta parábola ensina que a oração é como um grito no meio da noite que é imagem da solidão, do sofrimento, da angustia humana. Um grito que não deve cessar, porque grita realmente quem tem necessidade e precisa de ajuda. Além disso, a oração é inoportuna, quer dizer continua e sem fim.

Oração

 

3. ATUALIZAÇÃO CATEQUÉTICA

Para finalizar, concluímos as nossas reflexões com o seguinte esquema: O evangelho proposto pela liturgia hodierna responde a quatro perguntas básicas: O que rezar? Quando rezar? Como rezar? E, porque rezar?

O que rezar? A oração do Senhor, não de forma mecânica, mas na consciência de ser filho. Esta oração que repetimos às vezes como papagaios é uma perola preciosa, que na Igreja dos primeiros séculos do cristianismo com o fenômeno dos pagãos que se aproximavam à fé, era entregue aos candidatos para o batismo pelo próprio bispo que lhes ensinava oito dias antes do sacramento na piscina da regeneração, para depois rezá-la publicamente com toda a comunidade na ceia eucarística.

Quando rezar? Sempre, especialmente em momentos de silêncio. A parábola coloca a noite como atmosfera que manifesta a importância que damos àquilo que pedimos ao ponto de quebrar o sono da noite que para nos é fundamental. Rezar na noite do nosso coração, isto é nos medos que nos inquietam. Rezar incorporando a oração a ritmo natural da nossa respiração, algo que se torna necessário para nós e para os outros. Por isso é preciso rezar a oração pessoal que desenvolvemos na nossa vida espiritual, e a oração pública da Igreja na Liturgia das Horas e nos sacramentos que nos fortalecem no combate do dia a dia.

Como rezar? Importunando ao Senhor, pedindo, buscando. Rezar para que a nossa vontade se possa adequar à vontade de Deus e possamos contribuir a obra da salvação que Jesus realizou por amor. Rezar para assumir e enfrentar a cruz – obstáculos, sofrimentos – que fazem parte da nossa vida, e fundamentalmente rezar intercedendo pelos outros. Neste sentido a primeira leitura é muito oportuna: Abraão intercede para que não se efetue a pena que pesa sobre as cidades ameaçadas por Deus, pede por outros não por si. Da mesma forma na parábola do evangelho o amigo importuno pede pelo outro amigo que acaba de chegar, não por si, com todo o transtorno que causa no meio da noite e para atender a um amigo. Rezamos pelos outros quando estão atravessando serias dificuldades? Quando uma crise ameaça a estabilidade conjugal de uma família? Rezamos pelos que sofrem no corpo, na alma e no coração?

E, porque rezar? Rezamos para fazer a vontade de Deus, porque os acontecimentos ocorrem questionando e ameaçando a nossa frágil fé. Rezamos porque estamos cercados de fraqueza, temos defeitos que fazem sofrer os que convivem conosco e temos quedas que nos ferem mortalmente. Rezamos porque existem ciladas e tentações nas quais podemos sucumbir. Rezamos porque existe o mal moral que se alastra e nos pode contagiar, e sobre tudo o mal pessoal, um ser obscuro, tendencioso e sorrateiro que nos atrai com sutileza e do qual temos de nos defender. Rezamos porque a voz do mundo – o relativismo, a imoralidade, em fim tudo o que significa o paganismo – pesa e nos parece lógica a sua proposta: porque ser fiel? Porque formar uma família? Porque ser honesto? Porque controlar os nossos impulsos?

Parece-nos oportuno fazer uma pequena recapitulação: O que rezar? o Pai- nosso! Quando rezar? sempre! Como rezar? Inoportunamente! E, porque rezar? Para poder fazer a vontade de Deus. Em definitiva, a oração é – como foi sempre considerada pela tradição cristã – uma poderosa arma no combate da Fe. Com a oração podemos mudar o curso da história, proteger-nos e interceder pelos que convivem conosco e sofrem de tantas formas! A oração é uma verdadeira arma do cristão!

________

AUTOR: Pe. Carlos Fernando Hernádez Sánchez (Mestre e Doutorando em Teologia Dogmática pela Pontifícia Universidade Gregoriana – Roma e professor do Seminário Arquidiocesano em Brasília-DF))

Este site utiliza cookies para lhe oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar neste site, você concorda com o uso de cookies.