Advento, do latim adventus, não significa simplesmente vinda ou chegada.
Há pelo menos duas outras palavras em latim que poderiam ser traduzidas dessa forma, sem contar diversas interjeições. Então por que a Igreja primitiva usou o termo adventus para descrever o período que antecede o Natal?
No latim, essa palavra tem uma série de significados intrigantes. Adventus é uma forma do verbo advenio, o qual é definido não apenas como chegada, caminho para, mas também como desenvolver, iniciar, surgir. A palavra adventus também se refere a uma invasão, incursão, amadurecimento e aparecimento – todas denotações que trazem ricas implicações para os relatos evangélicos de Cristo.
O relacionamento entre adventus e vitórias militares é especialmente notável. Na Roma antiga, Adventus era um termo técnico para a “gloriosa entrada” de um imperador em sua capital. Com frequência isso acontecia depois de um êxito militar. Além de celebrar a conquista no campo de batalha, o nascimento do líder real também era comemorado em um Adventus.
Uma das utilizações mais famosas da palavra nesse contexto aconteceu no poema épico da Roma antiga “Eneida”, de Virgílio. Ela ocorre no livro sexto, quando Eneida viajou ao submundo a fim de visitar seu falecido pai Anquises. No decorrer daquela visita, Anquises profetiza ao seu filho sobre o glorioso futuro de Roma:
Ave, César, da gloriosa semente de Júlio,
Contemplem a ascensão ao mundo da luz!
Eis, finalmente, aquele homem, para ele é tudo isso,
Pois, muitas vezes, os teus ouvidos ouviram o que foi predito,
Augusto César, parente de Júpiter.
Ele traz uma idade de ouro; ele restaurará
O velho cetro de Saturno para a nossa terra latina,
E para o mais remoto Garamant e Ind
A sua oscilação estende-se; o domínio justo
Ultrapassa os planetas do horizonte, sim, para além
Do brilhante caminho do sol, onde o ombro do Atlas suporta
Cúpula Yon do céu espessa com estrelas em chamas.
Contra a sua vinda [adventum] as longínquas costas do Cáspio
Avançam em oráculos; a terra Maeotiana
Treme, e todas as sete bocas do Nilo.
(Eneida 6. 789-798)
Perceba como o relato de César começa com uma referência à sua genealogia e, portanto, implicitamente, ao seu nascimento. A “vinda” de César é retratada como um evento de desdobramentos globais, reverberando do mar Cáspio até o rio Nilo – que se localiza no mais remoto lugar do mundo até então conhecido. César também é divinizado: ele “ascende” a um “mundo de luz” e seu domínio se estende não apenas até o horizonte, mas mesmo após o “brilhante caminho” do sol.
Advento, assim, é uma palavra muito apropriada para descrever o período que leva até o Natal. Pois o que celebramos é a vinda de um rei, um imperador, alguém que é totalmente homem e totalmente Deus. A Igreja faz-nos refletir sobre esse assunto situando a Festa de Cristo Rei justamente antes do início do Advento.
Até esse momento, os diversos significados atribuídos ao advento tem estado no âmbito daquilo que é físico e tangível. Mas a palavra também pode ter um significado mais metafórico e místico, como a chegada de algo para a mente ou para a alma de alguém. É nesse sentido que a palavra é usada no tratado de Cícero Sobre a Natureza dos Deuses. A palavra ocorre em uma seção em que Cícero está criticando o argumento de um filósofo a respeito da existência de deuses:
Se os deuses apenas apelam à faculdade do pensamento, e não têm solidez ou esboço definido, que diferença faz se pensamos num deus ou num hipocentauro? Tais imagens mentais são chamadas por todos os outros filósofos de mera imaginação vazia, mas diz-se que são a chegada [adventum] e a entrada na nossa mente de certas imagens (Sobre a Natureza dos Deuses, 1.105).
Em um contexto puramente deísta, Cícero, que viveu um século antes de Cristo, está elaborando um argumento ontológico e epistemológico. A nível ontológico, que se refere à natureza das coisas, ele está se perguntando se os deuses romanos têm alguma substância ou realidade tangível se eles surgem apenas como representações na mente. Essa questão se torna epistemológica: como poderiam os antigos romanos saber se seus deuses realmente existiam se eles apenas podem ser conhecidos dessa forma?
Na ausência do Cristianismo, a preocupação de Cícero faz algum sentido. Pensar em deuses como meras imagens ou ideias realmente parece problemático, especialmente quando se está tentando argumentar pela sua existência.
O exemplo de um hipocentauro – ou, simplesmente, de um centauro – é didático. Na mitologia antiga, o centauro era uma criatura metade homem, metade cavalo. Se você não consegue imaginar isso, existem muitas imagens na internet. Mas, é claro, a capacidade de essa imagem ser registrada em sua mente certamente não significa que exista algo como um centauro.
Consideremos, então, como tudo isso é virado de cabeça para baixo com o advento de Cristo. Ele, de fato, é “a imagem visível do Deus invisível”, como afirma Colossenses 1, 15. Mas, nesse caso, a imagem tem “solidez” e “contornos definidos”: a imagem se encarnou, o Verbo se fez carne. E, assim, com base nesse fato, nós, como cristãos, ao contrário dos romanos antigos, temos um sólido apoio para nossa fé, e um motivo de imensa alegria.
Autor: Stephen Beale
É um escritor que foi criado como protestante, mas que se converteu ao catolicismo.
Fonte: Catholic Exchange
Traduzido por Tiago Veronesi Giacone – Membro da Rede de Missão Campus Fidei.