Se é o tempo da alegria e das boas novas, então por que o calendário litúrgico no tempo do Natal está cheio de tantos mártires?
Dê uma olhada no calendário. O dia seguinte ao Natal é a festa de Santo Estêvão, o primeiro mártir da Igreja, que foi apedrejado até a morte. Na segunda-feira seguinte, a festa dos Santos Inocentes, aqueles bebês de Belém assassinados pelo capricho de um tirano. Em seguida, é dia de São Thomas Becket, cuja cabeça foi aberta por uma espada, próximo ao altar de uma catedral na Inglaterra medieval.
Mas o tema do martírio abrange até mesmo outras festas de santos que, tecnicamente, não são mártires. São João Apóstolo, celebrado no domingo após o Natal, é considerado um mártir pela vontade. São João Kanty, cuja comemoração se dá um dia antes da véspera do Natal, desejou ser um mártir.
Não precisaria, necessariamente, ser assim. Não há uma data histórica para o assassinato de Santo Estêvão. O mesmo vale para os Santos Inocentes. A festa de São Thomas Becket se dá no dia do aniversário de sua morte, mas a Igreja poderia ter escolhido outra data para relembrá-lo.
De acordo com a Enciclopédia Católica, ter esses dias festivos ao redor do Natal é intencional:
Essas datas não tem nada a ver com a ordem cronológica do evento; as festas são mantidas dentro da oitava do Natal porque os Santos Inocentes deram suas vidas pelo Salvador recém-nascido. Estêvão, o primeiro mártir (mártir pela vontade, pelo amor e pelo sangue); João, o Discípulo do Amor (mártir pelo vontade e pelo amor), e essas primeiras flores da Igreja (mártires pelo sangue) acompanham a entrada do Santíssimo Menino Jesus no mundo, no dia do Natal.
Mas por que no Natal? Por que não na Quaresma? Certamente, alguém poderia elaborar um convincente argumento sobre o motivo de celebrar Santo Estêvão e São João próximos ao dia da Paixão do Senhor à qual eles se uniram, um pelo sangue e outro pela vontade. Então o que a Igreja quer nos dizer?
Uma resposta advém considerando o que, de fato, é celebrado na festa de um mártir. É o dia de sua morte? Bom, sim, mas é mais do que isso. A história de um dos mártires da Igreja nos aponta o real motivo.
Esse mártir é Policarpio. A história diz que ele foi sentenciado a ser queimado, mas o fogo não consumia o seu corpo, então ele foi perfurado no coração e depois queimado. Um dos primeiros relatos de seu martírio narra os cristãos coletando os ossos carbonizados e levando-os a um local em que seu martírio seria celebrado. Não foi o aniversário de sua morte que foi comemorado.
Esse mesmo relato coloca da seguinte forma: “Deus nos conceda reunirmo-nos com alegria para celebrar o aniversário do mártir em sua vida no céu!” (conforme citado em “Vida dos Santos”, de Butler).
Acaso não é isso o que verdadeiramente celebramos na festa de um mártir? Não a sua morte, mas o seu nascimento para uma vida nova, para a abundância de vida eterna no céu. Então, nesse sentido, é uma espécie de aniversário.
É por isso que, ainda que suas mortes realcem uma nota sombria em nós, há também uma profunda corrente de alegria nesses dias festivos. É isso que explica o personagem Thomas Becket na peça de T.S. Eliot, “Assassinato na Catedral”:
Assim como nós nos regozijamos e choramos, ao mesmo tempo, no Nascimento e na Paixão de Nosso Senhor, assim também, em grau menor, nos alegramos e choramos pela morte dos mártires. Lamentamos os pecados do mundo que os martirizaram; alegramo-nos por mais uma alma que foi contada entre os santos no céu.
E é por isso que é tão apropriado comemorarmos esses mártires próximo ao Natal. Cristo, que vem do céu, nasceu nessa terra para que aqueles da terra fossem capazes de nascer no céu. Mais uma vez: Cristo nasceu para morrer, a fim de que aqueles que unam a sua própria morte à Dele pudessem nascer, mais uma vez, para a vida eterna.
Autor: Stephen Beale
Stephen Beale foi criado como protestante e se converteu ao catolicismo. Ele é de Topsfiel, Massachusetts, formou-se em estudos clássicos e história na Brown University em 2004. Suas áreas de interesse são Cristianismo Oriental, teologia Mariana e Eucarística, história medieval e a vida dos santos.
Fonte: Catholic Exchange
Traduzido por Tiago Veronesi Giacone – Membro da Rede de Missão Campus Fidei.