O que significa ser contemplativo no meio do mundo?

Por que você está aqui na terra?”, perguntaram ao antigo filósofo grego Anaxágoras. Sua resposta: “Para contemplar”. Mas o que é a CONTEMPLAÇÃO?

Esta estranha expressão mística encontra eco nos ensinamentos dos Padres da Igreja, principalmente em São Tomás de Aquino e, em tempos mais contemporâneos, em São Josemaría Escrivá, que recomendava a todos que vivessem como “contemplativos no meio do mundo”. Na verdade, é estranho que pensemos tão pouco neste aspecto primordial da nossa existência: ser espectadores, contemplativos…

Parte da causa disso, com certeza, é que nós realmente não entendemos o que significa ser um contemplativo, muito menos no meio do mundo. Tendemos a pensar que a contemplação é para os religiosos. Mas… ser um contemplativo no meio do mundo? Bem, isso certamente deve ter sido inventado por alguém sem a menor ideia do que a vida realmente é em nossa sociedade agitada e estressada. Será?

Na verdade, a vida contemplativa está disponível para todos, porque ela não é tanto um departamento especial dentro da Igreja, mas uma atividade que qualquer pessoa pode viver. De fato, nós vivemos a contemplação o tempo todo. No fim de semana, nós nos sentamos para assistir a um filme. Se você parar para pensar nisso, que atividade mais estranha, não é? O que estamos fazendo lá no escuro, observando as imagens em movimento dos seres humanos?

O que estamos fazendo é contemplar, apreciar a maravilha do ser humano, a maneira como ele tenta encontrar a felicidade. Curiosamente, o verbo grego para “apreciar”, theorein, do qual vem o conceito de “contemplação”, é o mesmo termo do qual vem a palavra “teatro”. Um teatro é um “lugar para ver”, um local para a contemplação do ser humano em ação. Na ação de assistir a um filme, encontramos os elementos básicos de toda a atividade contemplativa: refletir sobre alguma verdade, e inclinar o coração a esta verdade.

Esta “reflexão”, no entanto, não é o trabalho intelectual do tipo que, digamos, um engenheiro faz quando projeta uma ponte, ou que um desenvolvedor faz quando projeta um novo aplicativo de smartphone. Estes são esforços intelectuais válidos, mas são diferentes da contemplação, porque envolvem a mente em um processo de desvendar algo e fazer algo. Envolvem a mente no trabalho. Na contemplação, não há nada a desvendar ou fazer. Pelo contrário, a mente está mais relaxada e receptiva. Podemos dizer que a contemplação é como um lazer da mente. Quando contemplamos, estamos simplesmente captando uma verdade que já foi alcançada pela mente, como quando o engenheiro vê a magnificência de sua ponte concluída.

Voltando ao nosso exemplo da visualização de filmes: nós talvez não estejamos em condições de contemplar a verdade de um filme, ainda que estejamos buscando o que o filme está tentando nos dizer. Mas quando descobrimos alguma verdade, o que muitas vezes fazemos em seguida é deixar que ela passeie pela nossa mente. Isso é a contemplação. Quantas vezes, depois de ver um filme realmente grandioso, não dizemos: “Não consigo tirar este filme da minha cabeça”? É como se você tivesse vivido no filme por um tempo. Ou quantas vezes você já viu o seu filme favorito uma e outra vez? Por que você faz isso, se você sabe o final? Você faz isso não porque você quer entender a história, mas para contemplar sua verdade. Nós também contemplamos quando vemos nossos filhos subindo no palco para pegar seu diploma de graduação. E sempre que nossas mentes são atraídas, ainda que fugazmente, por uma verdade da matemática, da biologia ou da economia.

Espero que agora esteja um pouco mais claro entender como podemos nos tornar contemplativos no meio do nosso mundo tão ocupado. Claro que, quando São Josemaría nos convida a tornar-nos contemplativos, ele recomenda, acima de tudo, que sejamos contemplativos na oração. A contemplação é a maneira mais perfeita de acessar uma verdade, segundo São Tomás de Aquino. Então, quando contemplamos a fonte da Verdade – o próprio Deus –, nossa contemplação atinge a sua meta.

A contemplação orante de Deus é uma forma específica de oração. Ou seja, não é a oração de petição, quando pedimos a Deus as coisas que precisamos. É, ao contrário, a oração da mente e do coração “em lazer” para absorver a verdade transcendente, a beleza e a bondade de Deus. O YOUCAT no número 503 nos ensina que:

A contemplação é amor, silêncio, presença diante de Deus. Para a contemplação são necessários tempo, determinação, e sobretudo, um coração puro. É a entrega humilde e pobre de uma criatura que, deixando cair todas as máscaras, crê no amor e procura o seu Deus com o coração. A contemplação é também frequentemente designada por oração íntima ou oração do coração.

Também o Catecismo da Igreja Católica (2715) nos recorda que:

A contemplação é o olhar da fé, fixado em Jesus. «Eu olho para Ele e Ele olha para mim» – dizia, no tempo do seu santo Cura, um camponês d’Ars em oração diante do sacrário . Esta atenção a Ele é renúncia ao «eu». O seu olhar purifica o coração. A luz do olhar de Jesus ilumina os olhos do nosso coração; ensina-nos a ver tudo à luz da sua verdade e da sua compaixão para com todos os homens.

Durante o nosso tempo aqui na terra, nosso exercício de contemplação, seja de um filme ou em oração, será necessariamente intermitente. Nós não podemos estar diante do Santíssimo Sacramento 24 horas por dia. Precisamos trabalhar, precisamos dormir, precisamos cuidar de assuntos práticos. Mas, quando toda a nossa atividade prática é realizada em prol dos nossos momentos contemplativos, ganhamos o direito de ser chamados de contemplativos no meio do mundo. E na vida eterna? Até lá, teremos percebido o propósito da nossa existência e, portanto, seremos capazes de contemplar a própria face de Deus por toda a eternidade.

PorDaniel McInerny Fonte: Aleteia

Com leve adaptações dos Missionários YOUCAT

Para se aprofundar mais:

 

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