A oração aos santos ainda é um dos pontos de conflito contínuo nos diálogos entre católicos e protestantes.
Como sempre, do lado católico, um aviso é necessário: Não precisamos que algo esteja na Bíblia para que o tenhamos necessariamente como parte de nossa fé ou prática. A palavra Trindade não está na Bíblia, mas está no centro de nossa fé. Que Jesus é um só com o Pai é igualmente essencial para o credo, e mais uma vez o vocabulário que usamos para professar isso não é diretamente bíblico.
Dito isso, a evidência bíblica para a oração aos santos é mais forte do que muitos imaginam. Um grande trabalho nessa frente foi feito por Alan Schreck em seu livro “Catholic and Christian” e também pelo apologista Dave Armstrong, mais recentemente em um incisivo post no blog do National Catholic Register. Acrescentei meus próprios pensamentos a essa discussão em um dos meus primeiros artigos para o Catholic Exchange aqui.
Mas muitas das evidências que foram reunidas até hoje apoiam a prática de venerar os santos ou acreditar que eles oram ou intercedem por nós. Por exemplo, é difícil não ler Apocalipse 5 como qualquer outra coisa que não seja uma declaração clara de que os santos estão orando por nós no céu.
Três vezes em que os santos falaram com outras pessoas
Armstrong acrescenta a essa ideia mencionando duas outras passagens bíblicas que apoiam a oração aos santos (os outros dois exemplos em seu artigo original referem-se a orações pelos mortos e, portanto, não se encaixam em nosso tópico aqui). Esses exemplos constituem uma nova categoria de evidência, mostrando que há casos bíblicos em que os mortos justos falam com outras pessoas. Eu concordo com Armstrong que eles apoiam ainda mais o ensino católico sobre os santos, mas cada passagem tem complicações únicas que precisam ser cuidadosamente desvendadas para avaliar melhor seu valor apologético. Aqui está uma análise rápida:
A conjuração do fantasma de Samuel por Saul: em I Samuel 28, com sua derrota iminente nas mãos de Davi e dos filisteus, Saul vai a uma médium, pedindo a ela que conjure o fantasma de Samuel. O problema é que a história se destina claramente a condenar a evocação de fantasmas e a consulta de médiuns – e é assim que a Igreja já a leu. Armstrong está correto ao apontar que Samuel não diz que não pode cumprir o pedido, apenas que é contra a vontade de Deus.
Mas, uma vez que toda a história parece mais um conto de advertência do que um exemplo moral, é um caso difícil de argumentar. Talvez o máximo que possamos dizer é que se Saul tivesse uma boa relação com Deus, ele não teria precisado de uma médium para alcançá-lo, mas poderia ter orado diretamente ao santo para que intercedesse em seu nome. Isso é forçar demais a barra na leitura do texto?
Pode parecer isso, exceto pelo fato de que Jeremias 15, 1, como observa Armstrong, presume que Moisés e Samuel intercedem pelos vivos. Nossa melhor estratégia talvez seja destacar Jeremias 15, 1 tendo I Samuel 28 como pano de fundo.
Abraão e o homem rico: Primeiramente, há a história do homem rico pedindo a Lázaro que interviesse para salvar seus irmãos, conforme contada em Lucas 16. Essa história parece ter todos os elementos que associamos à oração pela intercessão de um santo, com duas diferenças fundamentais. A primeira é que o homem rico está orando do inferno, não da terra. E, em segundo lugar, seu pedido é negado. Mas a história sugere que os santos no Céu podem ouvir orações de outros lugares. Certamente, se um santo pudesse responder a uma petição do inferno, então quanto mais ele poderia responder a uma da terra? Mas, devido às reviravoltas mencionadas nesta história, seu valor persuasivo pode ser limitado.
Jesus chama Elias: Armstrong também menciona brevemente o relato do evangelho em Mateus 27, onde os presentes na crucificação pensam que Jesus está chamando Elias. Presumivelmente, isto é evidência de que os judeus da época invocavam os santos do Antigo Testamento. Isso é justo dizer. Mas dois outros fatores limitam o quão aplicável isso é a nós hoje. Primeiro, Jesus não estava realmente orando a Elias e, segundo, a mera existência de uma prática no judaísmo do primeiro século não é suficiente para justificar nossa adoção dela.
Em suma, cada uma dessas três histórias têm elementos que fornecem alguma base bíblica para a convicção católica de que podemos e devemos orar aos santos. Mas elas são limitadas por causa das complexidades internas de cada história. Além disso, nenhuma delas pode ser considerada um modelo para a forma como oramos aos santos.
Em outras áreas de crença distintamente católica, podemos citar modelos bíblicos. Por exemplo, a Escritura realmente mostra Maria sendo venerada – primeiro pelo anjo Gabriel e depois por sua prima Isabel.
Portanto, a questão ainda permanece: existe algum modelo bíblico de oração aos santos?
O que os anjos podem nos ensinar sobre os santos
Acontece que os modelos bíblicos de oração aos santos são mais óbvios do que muitos de nós imaginamos. Podemos encontrar o que procuramos nas muitas histórias dos anjos nas Escrituras. Mas, antes de expormos a evidência, precisamos apresentar um argumento sobre por que ela é admissível.
Santos são como anjos. Primeiro, precisamos lembrar que os santos são considerados como anjos – ambos estão no Céu na presença de Deus. Certamente, esta é uma inferência razoável de todo o livro do Apocalipse, no qual tanto os santos quanto os anjos são descritos como estando presentes na corte celestial. Além disso, Jesus declara em Mateus 22,30 que seremos “como os anjos no céu” quando se trata da ausência de casamento no Céu. Finalmente, em I Coríntios 6, 3, São Paulo nos diz que julgaremos os anjos. É seguro dizer que somos pelo menos seus companheiros celestiais.
Os santos ainda não estavam no Céu. Mas por que precisamos considerar os anjos? Supondo que haja evidências de comunicação com os anjos – as quais veremos em breve – por que estamos limitados a isso? Se os santos estão no mesmo nível dos anjos, como argumentado acima, então devemos ter muitos exemplos de fiéis conversando com eles, se tivermos exemplos disso acontecendo com os anjos.
A resposta é que antes da morte redentora e ressurreição de Cristo, o Céu é geralmente considerado como fechado para os santos. A tradição católica afirma que os mortos justos do Antigo Testamento foram mantidos no limbo dos pais, às margens externas do inferno. Após sua morte, Cristo desceu ao inferno onde libertou os mortos justos, abrindo o Céu para eles. Então, se você está se perguntando por que a Bíblia não diz mais sobre a oração aos santos, é porque ainda não havia tantos no Céu. (Por enquanto, temos que concluir que os exemplos acima de Moisés, Samuel e Elias podem ser exceções a esta regra geral.)
Falando com os anjos
Portanto, agora podemos reconsiderar a questão que colocamos desta forma: Esses casos nas Escrituras em que as pessoas falam com anjos são exemplos de pedidos de ajuda e intercessão? A resposta é, naturalmente, sim. Na verdade, a evidência bíblica aqui é muito extensa. Aqui estão apenas alguns exemplos. (Nota: excluí todos os casos em que o anjo era um ‘anjo do Senhor’, porque um argumento poderia ser feito de que o anjo do Senhor era uma aparição do Cristo pré-Encarnado. Isso ainda apoiaria meu ponto, mas algumas pessoas poderiam não concordar.)
Ló venera e conversa com os anjos
“Pela tarde chegaram os dois anjos a Sodoma. Ló, que estava assentado à porta da cidade, ao vê-los, levantou-se e foi-lhes ao encontro e prostrou-se com o rosto por terra. ‘Meus senhores – disse-lhes ele – vinde, peço-vos, para a casa de vosso servo, e passai nela a noite; lavareis os pés, e amanhã cedo continuareis vosso caminho.’” (Gênesis 19, 1-2)
Jacó invoca a ajuda de um anjo
“o anjo que me guardou de todo o mal, abençoe estes meninos! Seja perpetuado neles o meu nome e o de meus pais Abraão e Isaac, e multipliquem-se abundantemente nesta terra!”.” (Gênesis 48, 16)
Eclesiastes tem orientações sobre o que dizer aos anjos
“Quando fizeres um voto a Deus, realiza-o sem delonga, porque aos insensatos Deus não é favorável. Portanto, cumpre teu voto! Mais vale não fazer voto, que prometer e não ser fiel à promessa. Não permitas à tua boca fazer pecar a tua carne, nem digas ao sacerdote [tradução literal: ao mensageiro de Deus] que isso foi apenas uma inadvertência, para não suceder que Deus se irrite com essas palavras e reduza a nada tua empresa.” (Eclesiastes 5, 3-5)
O profeta Zacarias repetidamente conversa com um anjo
“tive uma visão durante a noite. Percebi, entre as murtas do fundo do vale, um homem montado num cavalo vermelho, e atrás dele estavam cavalos ruços, alazões e brancos. Eu perguntei: “Meu senhor, que cavalos são estes?”. E o anjo porta-voz respondeu-me: “Vou explicar-te”.” (Zacarias 1, 8-9) (Nota: o anjo do Senhor também é mencionado, mas parece ser distinto do anjo falando com o profeta. Note também que a conversa continua nos versículos 13, 14 e 19, assim como ao longo dos capítulos 2 a 6.)
A esses exemplos do Antigo Testamento, podemos adicionar vários outros do Novo Testamento:
O anúncio a Zacarias: Zacarias questiona o anjo que lhe diz que sua esposa dará à luz a João Batista em Lucas 1. Embora seja um ‘anjo do Senhor’, é menos provável que seja o Cristo pré-Encarnado, visto que no mesmo capítulo há a história da Encarnação (veja abaixo).
A Anunciação: As perguntas de Maria e a resposta ao anjo Gabriel em Lucas 1.
João e o anjo: Ao longo do livro do Apocalipse, João vê ou é acompanhado por anjos. Na verdade, ele fala diretamente com o anjo em Apocalipse 10, 9. Em Apocalipse 17, 7, o anjo faz uma pergunta a João, o que poderia presumir que o apóstolo poderia responder – ou pelo menos sugere fortemente que houve algum tipo de conversa entre eles.
Quando expandimos nossa evidência para olhar para os anjos, ela se torna significativamente maior. Agora podemos reconsiderar nossa pergunta em progresso mais uma vez. A Escritura nos fornece modelos para orar – e pedir a intercessão e ajuda de – pessoas santas do céu? A resposta é, inequivocamente, sim.
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Autor: Stephen Beale
Stephen Beale foi criado como protestante e se converteu ao catolicismo. Ele é de Topsfiel, Massachusetts, e formou-se em estudos clássicos e história na Brown University em 2004. Suas áreas de interesse são Cristianismo Oriental, teologia Mariana e Eucarística, história medieval e a vida dos santos.
Fonte: Catholic Exchange
Traduzido por Mariana Leite – Membro do Grupo de Estudo DATING em Brasília – DF e servindo no Núcleo de Tradução da Rede de Missão YOUCAT BRASIL.